O caso de Safi’i: uma tentativa de silenciar o pensamento crítico em Timor-Leste?

“Ensinamos os jovens a identificar o certo e o errado. Se há desemprego, porque é que os jovens não têm trabalho?, o questionamento é uma parte central das formações de Safi’i /Foto: DR

Apesar de ter contribuído durante anos para o país na área da educação e formação cívica, o ativista indonésio está agora proibido de entrar em Timor-Leste por alegadamente ter violado a Lei da Imigração. O caso tem gerado debate em Timor-Leste, nomeadamente sobre os limites da liberdade política e da democracia.

A comunidade académica e os ativistas de Timor-Leste e da Indonésia foram apanhados de surpresa com a notícia que dava conta da proibição de reentrada em Timor-Leste de Safi’i Kemamang, ativista democrático e participante do movimento de libertação do povo maubere. O cidadão indonésio, a residir no território timorense desde 2003, ficou retido na fronteira de Mota’in, em Batugade.

O impedimento não se deveu a problemas com documentação ou identificação do ativista, mas sim a um alegado histórico de envolvimento em atividades políticas no país. O Governo timorense já fez saber que terá sido violada a Lei da Imigração, nomeadamente o artigo 9.º, que impõe restrições à participação de estrangeiros em atividades políticas em território nacional.

Safi’i não é um nome desconhecido em Timor-Leste. Durante a Resistência, atuou ao lado de ativistas timorenses na Indonésia, organizando e mobilizando estudantes e comunidades para se oporem ao regime de Suharto. Reconhecido pela sua coragem e consistência, foi uma voz ativa na defesa da democracia e da autodeterminação de Timor-Leste.

Após a restauração da independência, Safi’i considerou que a luta ainda não estava concluída, pois faltava a “libertação plena” do povo maubere. Com profundo amor por Timor-Leste, deixou a sua família na Indonésia e decidiu residir em Díli, onde tem passado a maior parte do tempo desde 2003.

Olhando para a educação como um pilar essencial do estado social e como meio para formar e preparar as lideranças futuras, dedicou-se, de forma voluntária e sem qualquer remuneração do Governo ou de cidadãos timorenses, à partilha de conhecimento e experiência sobre ativismo e política com estudantes universitários e jovens, incluindo mulheres. Está ligado ao Movimento de Resistência Social e do Klibur Estudante Progressivo.

Ainda assim, o atual Governo, do qual faz parte o seu ex-companheiro de luta, o vice-primeiro-ministro Mariano Assanami Sabino, considera que essas atividades violam a lei e, por isso, orientou as autoridades migratórias a restringirem a sua entrada no país.

O incidente ocorreu no sábado, 12 de julho de 2025, quando Safi’i viajava com a empresa Travel Paradise, tendo saído de Atambua (Nusa Tenggara Timur), em direção a Timor-Leste, com passagem pela fronteira de Mota’in. O processo no posto de migração indonésio decorreu normalmente. A chegada ao posto timorense coincidiu com um súbito corte de energia. Mesmo assim, um oficial de imigração autorizou a sua entrada, carimbando o passaporte.

A viagem prosseguiu durante cerca de 20 minutos. Quando o autocarro se aproximava do Esquadrão da UPF, entre Batugade e Atabae, o motorista recebeu uma chamada da imigração timorense, com instruções para regressar imediatamente à fronteira.

Já no posto fronteiriço, o comandante da imigração informou Safi’i que não estava autorizado a entrar no país. Surpreso, perguntou o motivo, mas recebeu apenas a seguinte resposta: “Senhor Safi’i, pedimos desculpas. Nós também não sabemos a razão. Apenas cumprimos ordens superiores”.

Como tinha apenas 60 mil rupias (cerca de 3,5 dólares), Safi’i pediu três horas ao comandante para poder contactar a família em Díli e obter apoio financeiro. O pedido foi recusado e o cidadão indonésio foi forçado a regressar a Atambua.

“Estou à espera de um esclarecimento por parte do Governo de Timor-Leste. Porque é que fui proibido de entrar num país depois de ter apoiado na reconquista da independência? Estou triste, porque estou impedido de voltar para junto da minha esposa, dos meus filhos, da minha família e dos companheiros de luta”, expressou Safi’i.

Em entrevista por telefone ao Diligente, Safi’i revelou que já foi alvo de duas investigações conduzidas pelo Serviço Nacional de Inteligência (SNI) de Timor-Leste, que suspeitava do seu envolvimento na organização de protestos em solidariedade para com o povo da Papua Nova Guiné.

A primeira investigação ocorreu em 2024, por ocasião da visita do Papa Francisco a Timor-Leste, mais concretamente na celebração da missa em Tasi Tolu. O SNI suspeitou da ligação de Safi’i a um possível protesto. O ativista garantiu que, na altura, não sabia de nada sobre o assunto. No fim de contas, não houve nenhuma manifestação, contrariando as previsões do SNI.

A segunda situação deu-se em junho deste ano, durante a visita do político e ativista indonésio Rocky Gerung a Díli, para o aniversário da GMN-TV. No exterior do pavilhão multiusos onde decorria o evento, alguns jovens gritaram “Viva Papua” e “Primeiro-ministro burro”, levando o SNI a achar que Safi’i estaria por trás da manifestação. Logo a seguir ao incidente, Safi’i foi levado da sua residência, em Osindom Hudi Laran, para ser interrogado. Mais uma vez, explicou que não sabia o que se estava a passar, pois estava ocupado a preparar o luto tradicional pela morte de um parente em Tutuala, Lautém.

“Já prestei todos os esclarecimentos ao SNI sobre essas situações e afirmei claramente que não sabia de nada. Mas, se quiserem usar isso como motivo para me impedir de regressar a Timor-Leste, então que o façam. Depois, o público que analise e julgue por si mesmo”, destacou.

Quem é Safi’i Kemamang, ex-ativista do PRD indonésio e militante histórico pró-Timor-Leste?

Safi’i Kemamang, nascido a 5 de junho de 1976, em Lamongan, Java Oriental, é um ativista político indonésio com longa trajetória de militância desde o regime de Suharto. De origem humilde, do campo, Safi’i começou a envolver-se na política ainda na adolescência, denunciando casos de corrupção na sua escola técnica (STM Negeri Tuban).

A militância intensificou-se na universidade, quando se juntou à Solidaritas Mahasiswa Indonesia untuk Demokrasi (SMID) e ao clandestino Partido Rakyat Demokratik (PRD), que atuava em oposição à ditadura. Durante esse período, compôs o hino “Pembebasan” (Libertação), também conhecido como “Buruh Tani” (Trabalhadores Rurais), que se tornou símbolo de resistência.

Além da militância interna na Indonésia, também se envolveu ativamente na defesa da autodeterminação de Timor-Leste e da Papua Ocidental. Decidiu viver e formar família em Timor-Leste, mantendo-se ligado ao seu país de origem, e consolidando o seu trabalho de ativismo político, com foco na justiça social e nos direitos dos povos oprimidos.

Ivo Mateus, amigo de Safi’i, mostrou-se indignado com a recente proibição de entrada do ativista em Timor-Leste. Para ele, Safi’i “não é um criminoso, mas um ex-membro do Partido do Povo Democrático (PRD) da Indonésia, que lutou contra a ditadura de Suharto e sofreu perseguições graves”.

Ivo disse que Safi’i leciona diversos cursos de política para estudantes e jovens que fazem parte do Movimento Resistência Social (MRS), uma organização progressista, que junta membros de vários partidos.

“Será que as suas atividades no MRS, ao formar uma geração jovem e crítica, são vistas como uma ameaça pelo próprio Governo? Será que os governantes deste país não querem ver uma nova geração com pensamento crítico? Isto não é um bom sinal. Porque os governantes estão a mostrar uma face ditatorial”, questionou, acrescentando que o Governo é extremamente alérgico a críticas e que tenta calar as vozes dissidentes.

Ivo foi mais longe, dizendo que alguns ex-ativistas timorenses na Indonésia, que hoje ocupam vários cargos no Governo, também participaram no curso político organizado pelo PRD, incluindo o vice-Primeiro-Ministro Mariano Assanami. “Lembrem-se: sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário”, frisou.

Para ele, o objetivo principal da independência é garantir a liberdade — liberdade do medo e da pobreza, para se poder prestar solidariedade ao sofrimento de outros povos. “Porque a solidariedade é universal, sem distinção de raça ou crença”, destacou Ivo.

“Esta é a face de um país em que os seus próprios líderes dizem ser o mais democrático do Sudeste Asiático”, concluindo que não compreendem a essência e nem a prática da democracia. “Vergonhoso! Vergonhoso, porque os líderes desta nação esqueceram completamente que, sem solidariedade internacional, Timor-Leste jamais teria conquistado a sua independência. É um povo que sofre de amnésia histórica prematura”.

A mesma indignação foi demonstrada pelo ex-ministro das Obras Públicas e antigo companheiro de luta, Abel Pires. Para Abel, a medida é injusta e demonstra falta de reconhecimento pelo contributo de Safi’i.

O ex-governante destacou o percurso de Safi’i, tanto em Timor-Leste, como na Indonésia. “Apoiar Timor naquela altura era um risco real. E hoje, negar a entrada a quem esteve connosco é um ato de ingratidão”, afirmou.

Abel critica o facto de o Governo usar “motivos pequenos” para justificar a proibição, enquanto concede indultos e pensões mensais a indivíduos condenados por corrupção. Sublinhou ainda que Safi’i não se fixou em Timor para criar negócios ou projetos pessoais lucrativos, mas para ajudar na formação de jovens e no fortalecimento da consciência crítica.

“Se houve infração, que seja o tribunal a decidir, não o Governo”, considera Abel, acrescentando que “a intolerância à crítica” e incompatível com os princípios democráticos. “Timor-Leste não pode voltar ao estilo autoritário da era Suharto. Não podemos perseguir quem pensa diferente”, alertou. O caso de Safi’i deve ser resolvido e até, segundo o antigo ministro, servir de exemplo, para que não aconteçam situações semelhantes com outros ativistas, jornalistas ou outras vozes críticas.

Abel destacou o papel de Safi’i na formação política de jovens timorenses e não aceita que o incentivo ao pensamento crítico seja visto como uma ameaça. “Os deputados criticam mais do que Safi’i e ninguém os impede. Por que razão está a ser tratado como inimigo?”, questionou.

“Quem não aceita a crítica está contra a democracia. A diversidade de pensamento fortalece o Estado, não o enfraquece”, sublinhou o antigo governante.

O percurso em Timor-Leste

Após a independência de Timor-Leste, Safi’i Kemamang retomou contacto com antigos companheiros de luta timorenses, com quem havia partilhado a militância durante o movimento democrático na Indonésia e a campanha internacional pela autodeterminação timorense.

No meio dos reencontros, nomeadamente com Mariano Assanami Sabino e com o então reitor da Universidade da Paz (UNPAZ), Lucas da Costa “Rama Metan”, surgiu um convite para lecionar na UNPAZ. Safi’i aceitou dar aulas sem remuneração e ali se manteve até 2006. “Sobrevivia com pequenos apoios de colegas: um dólar aqui, cinco ali”, relatou.

Já se sabe do papel de Safi’i no Movimento Resistência Social (MRS), criado por jovens timorenses. Enquanto formador, abordava temas como liderança, jornalismo, análise política e social, oratória e resolução de conflitos. O objetivo era claro: promover pensamento crítico e consciência social.

“Ensinamos os jovens a identificar o certo e o errado. Se há desemprego, porque é que os jovens não têm trabalho? Temos de falar sobre isso. Isso é incorreto?”, questionou Safi’i, assegurando que não praticou atividades político-partidárias e que sempre atuou de forma independente. “Os assessores internacionais que atualmente trabalham para o Governo também fazem política e ganham bem, mas não há proibição. Agora eu sou punido por ensinar gratuitamente?”, lamentou.

Para o ativista, o seu trabalho em Timor-Leste deriva de um “dever moral e político”. “Amo Timor-Leste. Psicologicamente e ideologicamente, pertenço a este país”, afirmou com convicção.

Em 2006, Safi’i casou com Agostinha José da Fonseca, natural de Tutuala, com quem tem dois filhos: uma rapariga de 19 anos e um rapaz de 15. Questionada sobre o atual impedimento de entrada do marido em Timor-Leste, Gugu apenas disse: “Como esposa, quero que ele possa voltar”.

 

Safi’i Kemamang deu formação na sede do MRS em Vila Verde, Díli /Foto : DR

Ativistas e académicos questionam decisão do Governo

O universitário e ativista timorense José Messias Pedro de Araújo Macêdo, conhecido como Lorico, reagiu com firmeza à decisão. Para Lorico, Safi’i é um símbolo da luta pela justiça e liberdade, e a sua exclusão representa um ataque aos valores democráticos que Timor-Leste conquistou com sacrifício.

“Para nós, Safi’i é como uma chama que continua a iluminar, mesmo quando outras já se apagaram. Muitos dos atuais líderes do Governo também foram críticos da injustiça no passado, mas hoje estão calados. Safi’i não. Ele é diferente”, afirmou.

Lorico destacou que o valor de Safi’i reside nos seus princípios e na sua visão política, que têm servido de base para a formação crítica de jovens timorenses. “Safi’i já formou muitos jovens, homens e mulheres, através do MRS e da KEP, em temas como economia e filosofia política marxista. Ele contribuiu para o fortalecimento do pensamento crítico da juventude”, acrescentou.

Para o ativista, a exclusão de Safi’i não é uma simples decisão administrativa, mas uma manobra orquestrada por setores do poder, para impedir o avanço de ideias contrárias aos interesses das elites políticas atuais. Lorico rejeita as acusações de que Safi’i tenha organizado protestos durante os eventos referidos anteriormente, considerando tais alegações tentativas de manipulação, para justificar a sua expulsão do país.

“Safi’i ensinou os jovens a pensar, a questionar, a criticar. Isso é próprio de uma democracia. Mas o que vemos hoje é um Estado com tendências autoritárias, que tenta impedir qualquer organização e expressão crítica”, denunciou.

A recusa da entrada está, para Lorico, diretamente relacionada com a sua atuação política e com a disseminação de ideias marxistas, consideradas pelas elites dominantes uma ameaça ao seu projeto de poder. “Ao promover formação política marxista, Safi’i desafiou os interesses dos que desejam manter o povo pobre e submisso. Ele acredita que a independência não termina com a libertação da pátria. Ele quer mais e acredita que a verdadeira libertação só acontece quando o povo conseguir sair da pobreza e da ignorância. Por isso querem silenciá-lo”, declarou.

Lorico também associou a decisão do Governo à atual orientação política de Timor-Leste, que busca integração em organismos internacionais como a ASEAN e a Organização Mundial do Comércio (OMC). Para o ativista, isso implica uma aproximação ao modelo capitalista global, em oposição a ideologias alternativas como o marxismo.

“Estamos a caminhar para uma maior privatização dos recursos do povo, sob influência da OMC. O marxismo contraria essa tendência, por isso querem eliminá-la como alternativa. As elites sabem que, se o marxismo florescer, isso será uma pedra no sapato do seu domínio”, argumentou.

O académico não tem dúvidas quanto ao papel de Safi’i em Timor-Leste, considerando-o um símbolo da defesa do pensamento livre e da formação de jovens críticos e conscientes. “Ao negar a entrada de Safi’i no território nacional, o regime atual tenta matar o pensamento crítico e desvalorizar a democracia que muitos lutaram para conquistar”, afirmou.

Moisés Soares Magno, membro ativo do Movimento Resistência Social, criticou duramente o Governo timorense e a sua suposta aliança com interesses de elites políticas e agências de inteligência.

Magno afirma que Safi’i representa uma voz crítica que incomoda os poderosos: “Ele ensina-nos a lutar contra qualquer um que use o poder ou o capital para explorar e oprimir o povo por meio de um sistema injusto. Ele quer que estejamos ao lado do povo”, disse.

Moisés reconhece que muitos jovens timorenses apoiam Safi’i, não só por questões pessoais, mas também porque veem nele um guia ideológico, comprometido com os pobres e marginalizados. “Safi’i nunca buscou benefício pessoal. Ele vê o mundo dividido entre exploradores e oprimidos, e sempre escolheu defender os oprimidos.”

Segundo Magno, Safi’i utilizou todos os meios disponíveis, desde ações de base até redes sociais, para continuar a sua luta ideológica, económica e política. A sua convicção chegou a deixá-lo em situações de risco, como apoiar abertamente a causa timorense enquanto vivia num regime autoritário de Suharto, na Indonésia.

Magno critica a justificação oficial, que alega o incumprimento da Lei da Migração e Asilo para impedir a reentrada do cidadão indonésio. Para o ativista do MRS, o verdadeiro motivo é político: “A cronologia mostra que não há problemas legais, mas sim pressões dos serviços de inteligência – o SNI timorense e o BIN indonésio – que operam em sintonia com interesses políticos, especialmente do Primeiro-Ministro Xanana e do Presidente indonésio Prabowo”.

Aquilo que considera ser uma “instrumentalização da política de imigração” por parte do Governo, serve, no ponto de vista de Magno, para suprimir vozes críticas e impedir o fortalecimento de movimentos populares. Em tom irónico, afirmou que o verdadeiro “erro” de Safi’i foi ensinar jovens a pensar criticamente e a denunciar políticas neoliberais que, aos olhos do ativista, agravaram a pobreza, dificultaram o acesso à saúde e à alimentação, e enriqueceram elites políticas.

Magno também refuta a ideia de que Safi’i é contra Xanana enquanto indivíduo. “Não é uma luta contra pessoas, mas contra sistemas de exploração. Safi’i ensinou-nos a identificar e a resistir a qualquer poder que oprime o povo”, explicou.

Fundasaun Mahein e Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça questionam “imagem” de um Estado de Direito Democrático

O diretor da Fundasaun Mahein (FM), Nelson Belo, criticou duramente a forma como o Governo e as autoridades migratórias lidaram com a entrada e subsequente expulsão do ativista estrangeiro Safi’i.

As ações que levaram à expulsão de Safi’i demonstram, para o diretor da FM, “falta de profissionalismo e falhas na coordenação entre os serviços de migração e os superiores hierárquicos”.

Nelson destacou que, se o Governo suspeitava de qualquer violação da lei por parte de Safi’i, o cidadão deveria ter sido submetido a um processo legal de permanência no país e não ser expulso de forma arbitrária. “Se há sinais de ameaça à segurança interna, investigue-se. Mandar alguém embora sem explicações claras é um abuso e desrespeito pelos direitos da pessoa e da sua família”, sublinhou.

Para Nelson, este tipo de tratamento afeta a credibilidade do sistema migratório timorense e põe em causa os valores democráticos do país. “Timor-Leste não pode aplicar a lei de forma dura apenas aos mais fracos. Terroristas são protegidos até o processo terminar, mas um ativista que contribuiu para a nossa luta é expulso sumariamente?”, questionou.

Nelson também apelou a antigos ativistas timorenses, como Virgílio Guterres, Mariano Sabino e Nino Pereira, para refletirem sobre o caso e manifestarem-se, como gesto de reconhecimento pela contribuição de Safi’i durante a Resistência. “Se, num tempo difícil, ele apoiou Timor, hoje merecia respeito, pelo menos, não perseguição”, afirmou.

O diretor da FM receia que a situação possa abalar a confiança da comunidade internacional que apoiou Timor-Leste no passado e alertou para os perigos de enfraquecer o sistema democrático.

Nelson reforçou a ideia de que o Governo deve esclarecer publicamente os motivos da expulsão de Safi’i e melhorar os procedimentos nos postos fronteiriços, para garantir o cumprimento da lei com transparência e respeito pelos direitos humanos.

Por sua vez, o Provedor dos Direitos Humanos e Justiça (PDHJ), Virgílio Guterres, manifestou preocupação perante a rejeição da entrada de Safi’i em Timor-Leste, classificando o ato como uma possível violação de direitos fundamentais e um risco para a imagem democrática do país.

Virgílio afirmou que, após tomar conhecimento do caso, entrou em contacto com o Ministério do Interior para obter esclarecimentos. Segundo o Provedor, as informações iniciais indicavam que o ativista possuía toda a documentação válida e entrou legalmente no território nacional.

“Limitar a liberdade de uma pessoa requer base legal concreta. Até agora, não recebemos explicações formais sobre quais as leis que foram violadas. Sem isso, a medida parece arbitrária e injusta”, afirmou Virgílio, acrescentando que uma equipa do PDHJ já está a investigar o caso junto dos serviços de migração.

Virgílio também destacou os aspetos pessoais e familiares de Safi’i, relembrando que tem família timorense e dois filhos e que qualquer problema relacionado com a documentação deveria ser tratado pelas autoridades de forma sensível, respeitando os direitos da família. “Não é apenas um estrangeiro. É pai de crianças timorenses e a sua família precisa de o ter por perto”, disse.

O Provedor alertou ainda para os riscos de o Estado timorense não tolerar o pensamento crítico. “Em Estados democráticos, deportações de ativistas políticos levantam sérias dúvidas. Safi’i foi nosso aliado na luta pela independência e é reconhecido pela sua contribuição para a resistência timorense e para a democracia na Indonésia”, disse.

Virgílio sublinhou ainda que Safi’i tem promovido debates políticos e educativos junto dos jovens, através de iniciativas em universidades e fóruns como o MRS. “Ele fomenta o pensamento crítico e o diálogo sobre o futuro do país. Para mim, isso é uma necessidade”, afirmou.

O Provedor apelou ao Ministério do Interior para resolver a situação de forma transparente, de acordo com os princípios do Estado de Direito. “Rejeitar a entrada de alguém sem razão legal clara enfraquece a nossa credibilidade como nação democrática. Todos, timorenses e estrangeiros, têm o direito de se movimentar livremente com documentos válidos”, concluiu.

Governo timorense usa Lei da Migração para justificar a entrada de Safi’i

O Ministério do Interior de Timor-Leste justificou a recusa de entrada de Safi’i Kemamang com uma alegada violação da Lei da Migração e Asilo, ao envolver-se em práticas inibidoras de permanência, como a participação na vida política do país.

Durante uma conferência de imprensa, na quinta-feira (18/07), o porta-voz do Ministério do Interior e superintendente da Polícia, João Belo dos Reis, afirmou que a decisão foi fundamentada no artigo 9.º da Lei n.º 11/2017, que estabelece restrições à atividade de estrangeiros em território nacional.

“Recusámos a entrada de Safi’i porque ele violou a lei da migração, nomeadamente o artigo 9.º, que proíbe cidadãos estrangeiros de se envolverem na vida política e em assuntos públicos da RDTL”, declarou João Belo. “Se vêm para Timor-Leste fazer negócios, então devem fazê-lo de forma apropriada, e não praticar política.”

O referido artigo da lei proíbe, entre outras ações, que estrangeiros participem na vida política, pressionem cidadãos a aderir a partidos ou se envolvam nos assuntos do Estado.

Diligente questionou sobre as evidências que sustentam a alegada prática de atividade política por parte do ativista, ao que o porta-voz respondeu: “existem documentos e provas recolhidas pelas autoridades de segurança, mas essas informações são confidenciais e não podem ser divulgadas”.

Quanto à razão que levou a que só agora tivessem recusado a entrada de Safi’i, residente em Timor-Leste desde 2003, João Belo explicou que “as autoridades de segurança detetaram recentemente ações do cidadão que violam a lei” e, com base nas informações recolhidas, foi tomada a decisão de “não o deixar entrar no país”.

Segundo o porta-voz do Ministério do Interior, a recusa de entrada não equivale a uma deportação e pode ser revista. “Se houver quem garanta a sua entrada e declare que ele não se envolverá em atividades políticas, poderá regressar. Mas está expressamente proibido de praticar política em território nacional”, destacou.

João Belo adiantou ainda que as autoridades de segurança estão a realizar operações no terreno para “identificar outros estrangeiros que possam estar a praticar atividades políticas, o que pode levar a que casos semelhantes se repitam”, concluiu.

A comunidade académica e alguns ativistas também lançaram uma petição online para pedir o apoio dos cidadãos a Safi’i Kemamang, com o objetivo de garantir o seu direito à liberdade de entrada e permanência no território timorense.

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