A política de organização urbana da SEATOU não tem passado só pelo despejo de pessoas. Recentemente, têm surgido relatos sobre abates de animais que andam à solta nas ruas de Timor-Leste. Mais uma vez, a falta de diálogo e a violência das ações das autoridades têm deixado marca no povo e as vozes de discórdia fazem-se ouvir.
A Secretaria de Estado da Toponímia e Organização Urbana (SEATOU) tem levado a cabo ações de abate de animais que circulam nas ruas de Díli e em outras zonas urbanas de Timor-Leste. O debate público está instalado. De um lado, argumentos que defendem a segurança pública, a higiene e a prevenção de acidentes rodoviários. Do outro, denúncias de atos de crueldade, falta de diálogo com a população, ausência de alternativas viáveis e impactos negativos na vida de famílias que dependem da criação de animais para sobreviver.
O Decreto-Lei n.º 33/2008 estabelece normas de higiene e ordem pública, visando manter as cidades limpas. Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 12/2014, de 14 de maio, no artigo 11.º, determina que os animais apreendidos pelas autoridades podem ter diferentes destinos, conforme decisão do órgão sanitário competente. Entre as opções previstas estão: o abate imediato no local, a possibilidade de o dono recuperar o animal mediante o pagamento de multa e/ou despesas, no prazo de dez dias, a realização de leilão público ou ainda a doação dos animais.
Neste texto, o Diligente quis ouvir as pessoas – desde uma vendedora que perdeu animais que lhe garantiam o sustento, a uma vítima de acidente de viação provocado por um animal, passando por estudantes e profissionais de veterinária – e refletir sobre os limites e as consequências desta política pública.
“Senti uma tristeza tão grande. Criamos animais com sacrifício e amor. Serviam para pagar as propinas dos nossos filhos e garantir arroz, comida e sabão.”

“Apesar da vida dura, com algum esforço, consegui criar uns porcos, uns galos e três cabras. Eram os meus bens para responder às necessidades familiares, sobretudo garantir os estudos dos meus filhos. Mas, recentemente, a equipa da SEATOU matou as três cabras que tínhamos em Metiaut. Não queria acreditar. Tínhamos amarrado os animais no cimo da montanha, mas uma delas soltou-se e veio para a estrada. A equipa abateu uma e não voltámos a ver as outras duas. Suspeito que também tenham sido abatidas.
Os membros da equipa não quiseram ouvir explicações. Vieram com raiva, acompanhados por alguns polícias. Só olhei, não disse nada. Chorei por dentro. Levaram os meus animais e os de vizinhos. Atiraram-nos para dentro do camião como se fossem lixo. Nem tive coragem de pedir a carne de volta.
Disseram, na televisão, que não podíamos deixar os animais soltos, mas ninguém veio falar connosco, ninguém avisou a nossa comunidade.
Aqui em Díli, tento sobreviver com o meu pequeno negócio. Mas até isso nos querem tirar. Dizem que não podemos vender na berma da estrada, porque sujamos a cidade. Mas onde é que podemos trabalhar para sobreviver?
Levámos os porcos e os galos para Baucau, com medo. Mas perdemos as cabras. Se as tivéssemos vendido, cada uma valeria entre 100 e 120 dólares.
Neste país, o povo só serve para obedecer. As elites mandam e nós temos de aceitar, calados, com medo. Será que o Estado não poderia indicar pelo menos um sítio onde pudéssemos criar os nossos animais? Em vez de orientar, vêm matar, proibir e ameaçar. Agora tenho medo. Já nem quero criar mais nada aqui.
Continuamos a vender na estrada, mas com medo. Quando a equipa passa, temos de esconder tudo. Isto é o nosso sustento. Se alguém perder o seu emprego, o desespero pode levá-lo a roubar, porque não há alternativas”.
“nunca vi nenhuma campanha de sensibilização. A solução não é matar. Os animais são inocentes. A culpa é dos donos.”

“Ia de mota e atropelei um búfalo (karau de Timor) em frente ao Jardim dos Heróis, em Metinaro. Naquela zona circulamos a uma velocidade alta. O animal apareceu de repente na estrada, não me consegui desviar e atingi-o. O karau morreu no local e eu perdi a consciência. Só percebi o que aconteceu quando a equipa de emergência me levou para o Hospital Nacional Guido Valadares.
Foi o meu segundo acidente com animais. O primeiro foi em Baucau, quando atropelei uma galinha. O dono zangou-se e exigiu que eu parasse para pagar. Disse-lhe que a estrada é para motas e outros veículos. Pedi desculpa e fui-me embora.
Este foi muito mais grave. Parti o braço e dei por mim a pensar muito sobre o que aconteceu. O que mais me custa é que ninguém assumiu a responsabilidade. O karau devia ter dono, mas ninguém apareceu para declarar que o animal era seu. Fiquei revoltado. Os donos têm de ser responsáveis. Os animais não podem andar à solta nas estradas.
Ouvi dizer que as autoridades estão a abater animais nas ruas, mas nunca vi nenhuma campanha de sensibilização. A solução não é matar. Os animais são inocentes. A culpa é dos donos.
O Governo devia criar espaços próprios para manter os animais. Podia fornecer materiais para os donos construírem abrigos, por exemplo. Se não cumprissem as regras, aí sim, deveriam aplicar multas.
No caso de Metinaro, e não só, as estradas são muito escuras. Precisamos de iluminação pública. Sem isso, continuaremos a ter este tipo de acidentes.
Devia também haver registo dos animais e controlo nas zonas de risco, para evitar que entrem na estrada. Percebo a ideia de querer acabar com os animais soltos. Mas depois lembro-me: eles são inocentes”.
“O mais preocupante é que esses animais foram abatidos sem seguir os procedimentos adequados.”

“Vi na televisão, nas redes sociais e noutros meios de comunicação, a forma como foram abatidos os animais criados pela comunidade. Sim, criamos animais com o objetivo de, um dia, serem abatidos — mas a maneira como a equipa procedeu não foi correta. No mínimo, os animais deveriam ser abatidos num matadouro, onde existem procedimentos a seguir e equipas compostas por médicos veterinários e técnicos qualificados para realizarem o abate de acordo com as normas.
No local, também se realizam análises ao estado de saúde dos animais. Se o bovino ou suíno estiver doente, não pode ser abatido para distribuição, pois existem doenças, como as zoonoses, que podem ser transmitidas aos seres humanos. É essencial realizar tratamento antes de tomar qualquer decisão.
O mais preocupante é que estes animais foram abatidos sem seguir os procedimentos adequados. Ainda assim, a carne foi distribuída a algumas instituições, como orfanatos. Antes de qualquer distribuição, é fundamental garantir a saúde pública. No fundo é estar a tentar resolver um problema e acabar a criar outro — nomeadamente, o risco de propagação de doenças.
Não é apenas a equipa da SEATOU que abate animais de forma ilegal. Também há muitas pessoas que o fazem para consumo próprio. O nosso grande problema é que só existe um matadouro nacional, situado em Tibar, sendo impossível atender toda a população.
Ultimamente, observamos que a equipa da SEATOU anda a abater animais criados por agricultores em várias zonas do país. Por exemplo, perseguem os animais e usam lanças para perfurar a barriga. Os animais estão a ser tratados sem dignidade. Isso não está certo. Querem uma cidade limpa e organizada, mas não é desta forma que o vão conseguir.
Se abaterem uma vaca prenhe, estão a matar dois animais – a mãe e a cria. Se for uma cabra, podem estar a eliminar três ou quatro gerações. Trata-se de um erro grave, pois o Decreto-Lei da Pecuária proíbe o abate de animais em estado gestacional avançado.
Um exemplo positivo é o de Oé-Cusse, onde a equipa da SEATOU aplica o mesmo decreto, mas de forma diferente. Quando os animais são encontrados à solta na cidade, são capturados e levados para quarentena. Os donos têm de se apresentar para os recuperar, mediante o pagamento de uma coima. Este tipo de atuação permite educar e sensibilizar os criadores, mostrando que não podem deixar os seus animais à solta nas zonas urbanas.
Se a SEATOU quer uma cidade limpa e organizada, deve aproximar-se da comunidade, sensibilizar e notificar os donos para cuidarem melhor dos seus animais. Se os cidadãos quiserem criar animais em Díli, devem adotar um sistema de criação com normas. Não me parece que a equipa da SEATOU esteja a colaborar com a Direção Nacional de Pecuária, do Ministério da Agricultura. Se estivessem a trabalhar em conjunto, creio que estas ações não estariam a acontecer — mesmo tendo como objetivo manter a cidade limpa.
Nunca aceitarei que a equipa da SEATOU abata animais em locais públicos. Por isso, utilizo a minha página de Facebook para protestar contra este tipo de atuação, com o objetivo de consciencializar outras pessoas de que essa prática não está correta. Já abordei este tema em seminários e debates.
Estou disponível para discutir este assunto com qualquer pessoa. Afinal, um dos lemas da medicina veterinária é: “Cuidar da saúde das pessoas através da saúde dos animais”.
“se olharmos para a forma como esses animais são abatidos, torna-se evidente a falta de ética.”

“Em relação ao abate de animais que andam soltos nas ruas de Díli, a resposta pode ser ‘sim’ ou ‘não’, dependendo do objetivo da medida implementada e do seu impacto. A SEATOU tem os seus próprios critérios e normas. É verdade que, muitas vezes, a sua atuação parece carecer de consciência e sensibilidade. Contudo, em algumas situações, atuam com base em orientações governamentais, seja com profissionalismo ou com autoritarismo, limitando-se a cumprir ordens superiores.
Neste caso, em que a ‘liberdade’ dos animais provoca danos em várzeas e interfere com o trânsito, o abate pode ser uma das soluções para proteger o ambiente. Em casos de animais doentes, o abate pode ainda ajudar a travar a propagação de doenças, como a raiva, reduzindo os riscos para a saúde pública.
Ao falarmos de saúde pública, referimo-nos também ao meio ambiente, às pessoas e aos próprios animais. No entanto, se olharmos para a forma como esses animais são abatidos, torna-se evidente a falta de ética. Não são respeitados os direitos dos animais.
Do ponto de vista técnico, a ação da SEATOU não é adequada, porque os membros utilizam espadas para matar os animais, de forma direta e violenta, causando traumas. O mais grave é que este tipo de abate é realizado sem qualquer conhecimento técnico apropriado e sem uma divulgação prévia ou consulta das comunidades.
Em termos éticos, devemos lembrar que os animais são seres vivos e fazem parte do ecossistema em que vivemos. Por isso, merecem consideração e respeito. Se falarmos em desenvolvimento e sustentabilidade do país, é essencial cuidar também do bem-estar animal.
Abater animais em espaços públicos não é uma solução eficaz para resolver os problemas de higiene e de ordem pública. Por exemplo, a SEATOU transporta animais em camiões, sem saber se estão doentes ou não. Além disso, o transporte em más condições pode causar maus odores, poluir o ar e afetar o ambiente local.
Antes de decidir abater animais, é necessário identificar e contactar as autoridades locais, de forma a apurar quem são os proprietários. Aí, o diálogo tem um papel importante, alertando as pessoas para a importância de não deixar os animais soltos, dado o impacto que isso tem na saúde pública. Como alternativa, caso existam verbas disponíveis, o Governo pode criar espaços apropriados para acolher animais sem dono ou abandonados. Nestes centros, médicos veterinários poderiam realizar diagnósticos e avaliar a condição de cada animal.
As autoridades podem planear as suas ações, mas também têm de analisar os impactos e as consequências. Muitas vezes, as pessoas acham que não é necessário respeitar os animais, mas esquecem-se de que, no nosso país, dependemos fortemente da vida agrícola. Falar de agricultura não é apenas falar de cultivo de alimentos, mas também de produção animal. Se não respeitarmos os direitos dos animais, como podemos esperar uma boa produção?
Numa perspetiva social, o abate de animais tem vários impactos negativos. Para muitas famílias, são a principal fonte de rendimento, pois permitem garantir as necessidades básicas do dia-a-dia. Além disso, este tipo de ações resulta em perda de confiança nas autoridades responsáveis, tanto na SEATOU, como nos serviços veterinários, no Ministério da Agricultura, ou mesmo nas entidades que fazem cumprir a lei ambiental.
Há ainda consequências para o setor académico – com a redução do número de animais, estudantes e investigadores nas áreas de agropecuária e veterinária podem enfrentar dificuldades na realização dos seus estudos e trabalhos de campo.
Em relação à forma de atuação, a SEATOU não deve tomar decisões de forma autoritária. Mesmo com planos bem definidos, é essencial realizar consultas públicas antes de qualquer ação. O Ministério da Agricultura tem um papel importante e deve intensificar as campanhas de sensibilização junto da população. Deve também realizar investigações sobre a saúde animal e promover o levantamento de dados sobre a população animal, para garantir um controlo mais eficaz. Além disso, os estudantes podem contribuir através da partilha de conhecimentos e formações nas comunidades.
Sugiro ainda que os proprietários de animais compreendam o seguinte: criar animais é muito mais do que tê-los na sua posse. É necessário assumir a responsabilidade de garantir o seu bem-estar.”
“O abate deve ser uma das últimas alternativas. Reforço: se a população não respeitar as regras, a equipa poderá ser obrigada a agir.”

“Esta atitude da SEATOU tem vantagens e desvantagens. Quanto às vantagens, o país pode livrar-se da sujidade provocada pelos animais. Por isso, o Governo criou estas regras para que as comunidades mantenham os seus animais nos respetivos espaços. Se isso não acontecer, a equipa pode avançar para o abate. Acho que esta alternativa pode ser útil para despertar a consciência da população sobre a importância de manter os animais nos locais apropriados. Por exemplo, em Díli, há muito movimento de transportes, e esta medida pode ajudar a evitar acidentes.
Quanto às desvantagens, o modo cruel como os animais são abatidos não é aceitável. Para algumas famílias, esses animais são também uma fonte de rendimento.
Se não existirem orientações claras sobre o modo de atuação da SEATOU, a equipa pode cometer erros. O abate deve ser uma das últimas alternativas. Reforço: se a população não respeitar as regras, a equipa poderá ser obrigada a agir. Depois dessa intervenção, diria que alguns donos passam a ter mais consciência.
Se eu fosse responsável pela SEATOU, não optaria por matar os animais, porque eles também têm direito à vida. Se houver uma divulgação das regras e, mesmo assim, a população, especialmente a agrícola, não cumprir, então devem ser aplicadas sanções. Por exemplo, os donos dos animais podem ser obrigados a pagar coimas ao Estado”.
