O Secretário de Estado da Comunicação Social, Expedito Ximenes, impediu jornalistas de fazer perguntas a Xanana Gusmão no Aeroporto de Díli. A atitude gerou acusações de censura e críticas de jornalistas, da AJTL e do Conselho de Imprensa. O caso reacende alertas sobre a liberdade de imprensa em Timor-Leste.
No dia 24 de abril, o Primeiro-Ministro (PM) Xanana Gusmão regressou a Timor-Leste. Um grupo de jornalistas aguardava a sua chegada ao Aeroporto Internacional Nicolau Lobato, em Díli, com o objetivo de abordar alguns temas de interesse público.
Após algumas declarações iniciais do Primeiro-Ministro, os jornalistas tentaram colocar novas perguntas. Contudo, o Secretário de Estado da Comunicação Social (SECOMS), Expedito Dias Ximenes, interveio, levantando a mão como sinal de que não seriam permitidas mais questões. Repetiu várias vezes: “Não há perguntas, não há perguntas, não há perguntas”.
A atitude do SECOMS foi alvo de críticas por parte de profissionais da comunicação social e gerou diversas reações nas redes sociais, nomeadamente no Facebook.
De acordo com o jornalista Domingos Javelino, do Smnewstimor, presente no local, muitos jornalistas de diferentes órgãos de comunicação social tinham recebido a agenda que indicava a chegada do PM por volta das 13 horas, no voo da companhia Aero Díli. No entanto, cerca de uma hora antes da chegada de Xanana Gusmão, Expedito Dias Ximenes aproximou-se dos jornalistas para informar que a viagem do PM era de caráter privado.
“Claro que a viagem do Primeiro-Ministro foi privada, mas recebemos o convite do assessor do SECOMS, que disse que quem quisesse entrevistar o Primeiro-Ministro sobre a morte do Santo Padre podia ir ao aeroporto. Foi com base nisso que decidimos estar presentes”, explicou Javelino.
Segundo o jornalista, ainda no aeroporto, o SECOMS voltou a reforçar que os jornalistas não podiam fazer a cobertura, insistindo no caráter privado da deslocação. “Após uma breve discussão, o Secretário de Estado sugeriu que fôssemos para o Largo de Lecidere, para onde o Primeiro-Ministro se deslocaria a seguir. Não acreditámos nessa informação e permanecemos no local, junto à porta da zona VIP, à espera para entrevistar o Primeiro-Ministro”, relatou.
Javelino contou que conseguiu fazer uma pergunta ao Chefe do Governo sobre a sua mensagem relativamente ao falecimento do Papa, à qual Xanana respondeu durante cerca de sete minutos. “Tinha preparado mais cinco perguntas sobre o mesmo tema, mas só consegui fazer a primeira. Foi nesse momento que o SECOMS interveio, como se vê no vídeo que anda a circular”, referiu.
Na opinião do jornalista, a atitude de Expedito Ximenes constitui uma violação do Código de Ética Jornalística e também de dispositivos constitucionais nos artigos 41.º e 42.º, que garantem a liberdade de expressão e de imprensa. “A presença do SECOMS ali foi enquanto membro do Governo, não como parte do protocolo, nem como assessor de imprensa. O Secretário de Estado não tem autoridade para impedir o trabalho dos jornalistas”, afirmou.
Javelino acrescentou ainda que esta não foi uma situação isolada. “Muitas vezes, o Secretário de Estado obstrói o trabalho dos jornalistas, sobretudo nas entrevistas com o Primeiro-Ministro. Quando fica atrás do PM numa entrevista, faz sinais para encerrarmos a conversa”, testemunhou.
Jornalistas denunciam limitações à liberdade de imprensa
Para a Presidente da Associação de Jornalistas de Timor-Leste (AJTL), Zevónia Vieira, a atuação de Expedito Dias Ximenes limitou o acesso dos jornalistas à informação. Segundo a dirigente, esta prática é recorrente, dificulta o trabalho da imprensa e restringe o espaço cívico da população para acompanhar os serviços do Governo.
“Sabemos que o senhor Expedito também foi jornalista e membro do Conselho de Imprensa. Por isso, acho que tem muita experiência relacionada com esta área. A sua atual função deveria servir para aplicar esses conhecimentos e dar o exemplo, não para limitar o trabalho dos jornalistas”, afirmou Zevónia Vieira.
Acrescentou que tais limitações representam uma violação dos direitos humanos, tanto para os jornalistas como para o público que espera esclarecimentos sobre os assuntos do Governo.
A AJTL já abordou diretamente o Secretário de Estado sobre estas atitudes, incluindo comportamentos semelhantes de outros membros do Governo. Contudo, segundo Zevónia, a atuação de Expedito Dias Ximenes não tem sido coerente. “Ele está envolvido na política, então às vezes diz uma coisa e faz outra. É por isso que os jornalistas desconfiam. Ele não dá importância ao interesse público e não oferece espaço aos media para confirmar a informação”, criticou.
Zevónia Vieira considerou que estas práticas representam uma ameaça à liberdade de imprensa, especialmente com a aproximação do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, celebrado a 3 de maio. “O ranking mantém-se ou até piora por causa destas atitudes”, lamentou.
Segundo o relatório da Repórteres Sem Fronteiras, divulgado a 3 de maio do ano passado, Timor-Leste ocupa o 20.º lugar entre 180 países no ranking mundial da liberdade de imprensa.
A presidente da AJTL reafirmou a missão da organização de promover o respeito pelos jornalistas e de defender a liberdade de imprensa e de expressão em Timor-Leste. Referiu ainda que têm utilizado as redes sociais para campanhas de sensibilização sobre o papel dos media. “No entanto, a AJTL não pode agir sozinha. O Conselho de Imprensa tem de se posicionar, porque é um órgão fundamental para qualquer associação. Nos últimos anos, infelizmente, o CI mantém-se em silêncio. Porquê?”, questionou.
Zevónia Vieira sublinhou que é essencial a união entre associações e jornalistas para combater a discriminação e as violações nas plataformas digitais. “Em Timor-Leste, a maioria da população utiliza estas plataformas. Se publicarmos críticas ou sugestões, há uma grande reação. Isto pode ajudar a mudar mentalidades”, enfatizou.
Conselho de Imprensa também critica atuação do SECOMS
Francisco Simões, representante dos jornalistas no Conselho de Imprensa, considerou que a atitude do SECOMS demonstrou “falta de respeito” tanto pelo papel do jornalista como pelas funções institucionais que desempenha.
“O Secretário de Estado esqueceu-se não só do respeito devido aos jornalistas como também das suas próprias funções institucionais”, afirmou.
Simões considerou ainda que, pelas imagens divulgadas, o governante agiu mais como “media officer do Primeiro-Ministro” do que como representante de uma instituição pública. “Se quiser continuar com esse tipo de atuação, talvez deva candidatar-se ao cargo de media officer. Considero que o Secretário de Estado não tem o conhecimento nem a preparação necessária para assumir a pasta, por isso deveria apresentar a sua demissão”, enfatizou.
“Uma das funções do SECOMS é garantir o acesso dos jornalistas às suas fontes, sobretudo quando se trata de líderes políticos. Assim, os jornalistas têm o direito de entrevistar as suas fontes em qualquer lugar, desde que o tema seja de interesse público e respeitando o consentimento da fonte. Mas ninguém tem o direito de intimidar um jornalista no exercício das suas funções”, destacou.
Francisco Simões defendeu que a abordagem jornalística ao Primeiro-Ministro é legítima, independentemente do local. “Se o Primeiro-Ministro fosse apenas um agricultor, os jornalistas não estariam interessados. Mas, sendo uma figura pública com responsabilidades, é natural que os jornalistas possam questioná-lo sem qualquer intervenção”, sublinhou.
Com o aproximar do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, Simões manifestou preocupação com o futuro da imprensa em Timor-Leste. “O país pode cair da 20.ª para a 50.ª posição no índice da Repórteres Sem Fronteiras, devido à crescente interferência do poder político na independência das redações”, alertou.
Recordou ainda episódios recentes, como a detenção policial de uma jornalista do Diligente e os gritos do Primeiro-Ministro contra jornalistas. “Estes comportamentos são graves e representam a diminuição da posição de Timor-Leste na defesa da liberdade de imprensa”, frisou.
Simões sublinhou que a liberdade de imprensa é um dos pilares fundamentais de uma democracia. “Se o índice cair ano após ano, significa que a nossa democracia está ameaçada”, afirmou.
Presidente do CI pede queixa formal dos jornalistas
O Presidente do Conselho de Imprensa (CI), Otélio Ote, considerou que o gesto do SECOMS ao tentar impedir a interação entre o Chefe do Governo e os jornalistas limitou a liberdade de imprensa e representou uma forma de censura.
“O SECOMS podia ter permitido que os jornalistas realizassem a entrevista, porque representam o povo. Não houve perguntas erradas por parte dos jornalistas. Se não houvesse possibilidade de responder, bastava dizer que não podia. Mas não pode limitar o trabalho jornalístico”, afirmou Otélio Ote.
Questionado sobre possíveis medidas a tomar, explicou que o primeiro passo é a apresentação de uma queixa formal por parte dos jornalistas ou dos órgãos de comunicação social. “Só assim o CI pode compreender melhor a cronologia dos acontecimentos e atuar. O Conselho também destacará uma equipa de monitorização para acompanhar o caso e garantir imparcialidade”, referiu.
Otélio Ote destacou ainda que o CI tem desenvolvido ações de sensibilização junto dos profissionais da comunicação social e dos responsáveis pelos media nos ministérios, para promover o respeito pelo trabalho dos jornalistas. “Continuamos a pedir ao SECOMS que mantenha uma boa comunicação com os profissionais da imprensa, sobretudo durante coberturas noticiosas, para que estes não se sintam prejudicados no terreno”, concluiu.
SECOMS justifica intervenção durante entrevista
O Diligente tentou obter um esclarecimento diretamente junto do Secretário de Estado da Comunicação Social, Expedito Dias Ximenes, que apenas remeteu para a nota publicada no Facebook oficial da SECOMS.
De acordo com o comunicado, a chegada do Primeiro-Ministro Xanana Gusmão de uma viagem à Austrália, no dia 24 de abril de 2025, ao Aeroporto Internacional Nicolau Lobato, foi de caráter privado. Por essa razão, não estava prevista qualquer agenda formal para entrevistas ou conferências de imprensa na sala VIP do aeroporto.
Apesar do caráter reservado da visita, o Primeiro-Ministro foi abordado pelos jornalistas à saída da sala VIP, cerca das 13h50, e acedeu a prestar uma breve declaração. “O Chefe do Governo respondeu com cortesia a uma pergunta sobre o falecimento do Papa Francisco e deixou uma mensagem ao povo timorense, durante sete minutos”, refere o comunicado.
Segundo a nota, após a declaração, o Secretário de Estado levantou a mão para indicar que a mensagem principal já tinha sido transmitida e que o Primeiro-Ministro se dirigiria para o carro.
“No mundo do jornalismo, quando alguém entrega apenas uma mensagem, não há necessidade de fazer mais perguntas”, lê-se ainda no comunicado publicado na página oficial da Secretaria de Estado da Comunicação Social no Facebook.
Uma anedota muito expedita!
Liberdade? Democracia? Onde?