População rejeita retomada de terrenos e plantações de café em Simuhei-Talo

A comunidade de Simihei Talo, em Ermera, pede ao Governo que se realiza novamente o diálogo/Foto: DR

O Ministério da Agricultura, Pecuária, Pescas e Florestas (MAPPF) anunciou que irá retomar o controlo de terrenos e plantações de café em Simuhei-Talo, no posto administrativo de Hatulia A, Ermera. No entanto, a população local, que depende dessas terras para a sua subsistência, considera que esta medida poderá prejudicar seriamente a sua fonte de rendimento no futuro. 

A população da aldeia de Simuhei-Talo manifesta insegurança e preocupação após o ministro Marcos da Cruz ter declarado que o Governo irá reassumir o controlo das plantações de café, terras que há muito tempo são cultivadas pelos agricultores locais para a sua sobrevivência.

A declaração foi feita a 3 de fevereiro, durante um diálogo com alguns cafeicultores do suco Hatulia Vila, no qual foi apresentado o plano do Governo para reabilitar as plantações de café. O ministro garantiu que durante este ano, os agricultores ainda poderão colher e vender o café para garantir a sua subsistência. No entanto, a partir do próximo ano, após a implementação do plano de reabilitação, a comunidade perderá o direito de colher e comercializar a produção.

Além disso, o ministro proibiu a construção de novas casas nas plantações do Estado, justificando que os terrenos continuam a ser propriedade do Governo, e que a sua gestão deve contribuir para a arrecadação de receitas públicas.

Esta política gerou receio e insatisfação entre cerca de dois mil habitantes, que ocupam as plantações desde o período colonial português. A comunidade considera que esta decisão ameaça os seus direitos sobre a terra e as suas casas, colocando em risco a sua principal fonte de rendimento.

Os agricultores de Simuhei-Talo defendem que as terras onde vivem são uma herança cultural, cultivadas há gerações como meio de sobrevivência. Por isso, rejeitam qualquer intenção do Governo de privatizar os terrenos e as plantações de café.

A comunidade exige que o Governo retome o diálogo com os moradores, especialmente com os cafeicultores diretamente afetados por esta política, para encontrar uma solução equilibrada que não prejudique a sua subsistência.

Hebres dos Reis Ferreira, jovem da aldeia de Simuhei-Talo, alertou para a falta de clareza nos planos do Governo e pediu que as autoridades dialoguem novamente com a população.

“Sentimos que esta medida é uma grande ameaça. Dizem-nos que no futuro não poderemos construir casas nem colher café. Mas então, onde vamos viver? A maioria da comunidade depende do café para sobreviver. Se o Governo tomar as terras e as plantações, como garantimos o nosso futuro?” — questionou.

O jovem reconheceu a necessidade de reabilitar as plantações, mas defendeu que isso deve ser feito sem retirar os direitos da população sobre a terra. “O Governo tem a responsabilidade de reabilitar as plantações, mas não pode simplesmente tomar o terreno, porque a vida da comunidade depende delas.”

Já Teófilo Maia, também de Ermera, afirmou que os cafeicultores possuem informações fundamentadas para rejeitar a entrega dessas terras ao Estado. “Somos a voz dos nossos pais e mães. Estamos dispostos a cooperar com o Governo na reabilitação do café, mas de outra forma. Não aceitaremos que tomem as nossas terras e as transformem em propriedade estatal.”

Teófilo também criticou a forma como o Governo tem conduzido o processo, afirmando que o diálogo com a comunidade foi mal-organizado e não incluiu todos os cafeicultores.  “O Governo deve trabalhar junto com a comunidade, dando apoio técnico e científico para fortalecer o conhecimento dos agricultores sobre conservação do solo e reabilitação do café.”

Considerou que Timor-Leste ainda não pode competir em quantidade de café, mas há esperança de competir em qualidade através da conservação do solo fértil. “A comunidade deve ser a protagonista de todo este processo. O Estado não pode simplesmente apropriar-se da terra para a administrar ou entregá-la ao setor privado, deixando a comunidade sem terrenos para sobreviver. Isso não é justo”, argumentou.

Afirmou que a maioria da comunidade se dedica ao cultivo de café, baunilha, canela, teca e outras plantas industriais. “Se a produção de café for afetada pelas alterações climáticas, qual será o papel do Ministério da Agricultura? O governo deve capacitar as comunidades para cuidar da ecologia e garantir a qualidade do café”, sublinhou.

Acrescentou que a comunidade considera que o recente diálogo organizado pelo Ministério da Agricultura foi “ilegal”, pois não envolveu as autoridades locais nem todos os cafeicultores, gerando apenas pânico, medo e insegurança entre a população.

“Eles limitaram-se a parar à beira da estrada e a chamar algumas pessoas que não são os verdadeiros proprietários da terra, enquanto outras representavam apenas pequenos grupos, apenas para que o governo pudesse apresentar os seus planos e programas. Isto tende a manipular a informação”, afirmou um morador.

A maioria das comunidades de Ermera sobrevive do cultivo de café e outros produtos como milho, batata-doce e taro. Se no futuro o Governo proibir o cultivo nessas terras, isso terá um impacto devastador na vida da população.

“A terra é a base da sobrevivência da comunidade. Se o Governo decidir expulsar as pessoas de forma autoritária, isso irá destruir a esperança de muitas famílias.” — alertou Teófilo Maia.  Lembrou que a disputa por terras é uma questão sensível em Timor-Leste e que conflitos violentos já ocorreram no passado por esse motivo.

Egas Tavares Brites, chefe da aldeia de Simuhei, também manifestou preocupação, afirmando que o Governo ainda não esclareceu o futuro das famílias que vivem na área.  “O Governo diz que a comunidade aceitou a sua política, mas isso não é verdade. Como chefe da aldeia, afirmo que ainda não concordámos com a entrega das nossas terras.”

O chefe da aldeia pediu ao governo que, ao organizar diálogos com a comunidade, coordene diretamente com as autoridades locais e os grupos verdadeiramente afetados, garantindo que as discussões decorram num ambiente seguro. “O diálogo promovido pelo ministro não respeitou a nossa dignidade. Como chefe da aldeia, não posso simplesmente afirmar que entregaremos as nossas terras ao governo, pois isso colocaria a minha vida em risco. A comunidade poderia até matar-me, e eu não quero isso”, declarou.

Caso o governo insista em apropriar-se das terras, afirmou que os intelectuais de Ermera resistirão firmemente para garantir que a gestão e o controlo das terras e das plantações permaneçam nas mãos da comunidade local. “Sobre esta questão, estamos firmes na nossa posição de defender os direitos da comunidade de Simihei Talo. Esta terra é uma herança cultural, e a comunidade tem o direito de a preservar para garantir o seu sustento”.

De acordo com dados da Agricultura Municipal de Ermera, entre os postos administrativos do município, Hatulia A é a região com maior potencial para a plantação de café, com uma área total de 11.375 hectares. Seguem-se Letefoho, com 7.814 hectares; Ermera, com 7.621 hectares; Hatulia B, com 4.500 hectares; Atsabe, com 2.529 hectares; e, por fim, Railaco, que possui a menor área de plantação, com 216 hectares.

Segundo o artigo 54 da Constituição da RDTL, todos os cidadãos têm direito a uma porção de terra no seu país.

Terreno e plantações de café: propriedade do povo ou do Estado?

Ermera é uma zona montanhosa com clima frio, tornando-se ideal para a produção de café. Segundo a comunidade, as plantações de Simuhei-Talo começaram a ser desenvolvidas durante o período colonial português, através da empresa Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho Limitada (SAPTL). Na época, a empresa ocupou terras da população local e obrigou os habitantes a trabalhar nas plantações.

Após a ocupação indonésia e a independência de Timor-Leste, a comunidade retomou o cultivo do café, que passou a ser a sua principal fonte de rendimento.

Avelino Coelho, jurista e presidente do Partido Socialista de Timor, defendeu que o Governo deve procurar uma solução que respeite os direitos da população.  “O terreno já pertencia à comunidade antes da chegada dos portugueses. Agora, o Governo não pode simplesmente tomar as terras e dizer que pertencem ao Estado.”

Avelino defendeu que o Estado deve trabalhar em parceria com as comunidades, criando um modelo de desenvolvimento sustentável. “Se o Governo vender essas terras, os lucros devem ser partilhados com a população. Esse é o tipo de desenvolvimento económico que queremos para o nosso povo.”

Rede ba Rai acompanha a situação e alerta para manipulação política 

A Rede ba Rai, organização que defende os direitos sobre a terra, declarou que não recebeu queixas formais da comunidade de Simuhei, mas já mobilizou membros em Ermera para recolher mais informações.

O coordenador da organização, Domingos de Andrade, alertou para o facto de o Governo não poder continuar a agir com uma mentalidade colonial. “Se o Governo tomar as terras e as plantações da comunidade, quem garantirá o futuro dessas pessoas?” — questionou.

Domingos sugeriu que, em vez de privatizar as terras, o Estado deveria subsidiar os cafeicultores para que eles próprios pudessem reabilitar as plantações e gerar rendimentos sustentáveis.

O Diligente tentou entrevistar o ministro da Agricultura, mas não obteve resposta, sendo informado de que o responsável estava ocupado com outros serviços. No entanto, segundo informações do Gabinete de Comunicação do MAPPF, o Governo promete tratar a população de forma humanizada quando implementar a política de reabilitação.

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