Assédio, violência, intimidação e retenção de malas são práticas comuns nos terminais de Becora e Baucau. Passageiros sentem-se impotentes perante ajudantes que impõem o embarque. O Governo promete ordem, mas o descontrolo e o medo continuam a marcar a rotina de quem depende do transporte público.
Nos terminais de Becora e Baucau, é frequente assistir a episódios de intimidação por parte dos ajudantes de autocarros da rota Díli–Baucau. Os passageiros que se preparam para viajar são, muitas vezes, abordados de forma agressiva por motoristas e cobradores, que lhes retiram os pertences à força e os obrigam a embarcar, mesmo quando manifestam preferência por outro veículo.
Este ambiente de desorganização e agressividade deixa os passageiros inseguros e desconfortáveis. Vários relatos denunciam comportamentos recorrentes de assédio, gritos e até violência física. O problema arrasta-se há anos, com inúmeros passageiros a perderem ou a verem os seus bens danificados. Até ao momento, o Governo ainda não apresentou qualquer solução eficaz para travar estes abusos.
Augusto Rodrigues, um dos passageiros afetados, lamenta a perda do direito de escolha: “Assim que chegamos ao terminal, já não conseguimos escolher o autocarro que queremos. Os ajudantes agarram primeiro nas malas e obrigam-nos a segui-los.” Relatou que, no mês passado, viajou com a mãe para Díli e, ao chegarem ao terminal de Baucau, os ajudantes que ali aguardavam começaram a recolher os pertences das pessoas sem pedir autorização.
“Eles não nos agarram diretamente, mas pegam nas nossas mochilas. Isso obriga-nos a seguir o autocarro do cobrador que ficou com os nossos bens. Se tentamos recuperá-los para mudar de veículo, começa a confusão”, contou. Acrescentou que muitas malas acabam por se perder devido a estas práticas forçadas.
Segundo Augusto, os episódios de agressividade diminuem apenas em alturas festivas, como o Natal e o Dia dos Finados. “Mas nos outros dias, mal descemos das motorizadas ou dos táxis, os ajudantes já nos estão a agarrar. Muitas vezes, nem conseguimos localizar a nossa mochila — já foi levada para Baucau antes de chegarmos.”
O jovem denunciou ainda que mulheres, idosos e pessoas vulneráveis são os alvos preferenciais. “Algumas até choram, porque os condutores não devolvem os seus pertences e obrigam-nas a entrar nos seus autocarros. Com os homens jovens é diferente, porque os condutores têm mais receio”, afirmou.
Augusto acusa ainda os condutores de enganarem os passageiros, dizendo que o autocarro está prestes a partir, quando na verdade os deixam à espera durante horas. “Acabamos por ficar sentados dentro do autocarro durante duas horas. E se queremos sair para procurar outro, eles olham-nos de lado, ficam irritados. Sentimo-nos obrigados a ficar.”
A situação agrava-se no transporte de produtos agrícolas, como bananas, mangas e laranjas. “Quando colocamos as frutas no topo do autocarro, os ajudantes sobem e comem à vontade. Por isso, quando levo este tipo de carga, nem entro. Fico cá fora, no estribo, a controlar. Já conheço o comportamento deles”, relatou.
Augusto apelou à Direção Nacional de Transportes Terrestres (DNTT) para que implemente um sistema de venda de bilhetes obrigatório, como forma de evitar confrontos e garantir organização. “Todos estes autocarros já estão registados. O Governo devia obrigá-los a vender bilhetes. Assim, quem quiser ir para Baucau de manhã pode comprar o seu lugar com antecedência e evitar horas de espera e confusão dentro do terminal”, sugeriu.
Saul Pinto, de 31 anos, levou o pai, na semana passada, ao terminal de autocarros de Becora para uma viagem até Baucau. Mal chegaram ao local, foram abordados de forma agressiva pelos ajudantes dos autocarros, que lhes arrancaram os pertences.
“Alguns já estavam à espera perto da ponte, ainda antes de chegarmos ao terminal. Eu vinha na motorizada com o meu pai, e mesmo antes de pararmos, já tinham agarrado nas nossas malas e sacos, quase caímos”, relatou.
A situação deixou-o nervoso, obrigando-o a correr atrás dos ajudantes para recuperar os bens. “Temos de gritar, senão os nossos pertences acabam noutro autocarro e podem-se perder. Casos como este geram conflitos frequentes entre os cobradores e os passageiros”, lamentou.
Saul alertou que mulheres e idosos que utilizam o terminal de Becora para viajar até Baucau deviam ser acompanhados por pessoas mais jovens. “A forma como os ajudantes abordam os passageiros demonstra total falta de respeito e cria medo nas pessoas.”
O passageiro apelou ao Governo para que intervenha e resolva este problema antigo, que continua a afetar quem utiliza o transporte público. Pediu ainda fiscalização sobre o aumento injustificado das tarifas. “Antes, a viagem de Díli para Baucau custava quatro dólares. Agora já subiu para cinco. O Governo precisa de estar atento a isso”, afirmou.
As agressões e atos de intimidação a passageiros não se limitam à rota Díli–Baucau. Também nos autocarros que operam na direção de Ermera têm sido relatados episódios de violência. Briginha Martins recorda uma viagem feita no ano passado com a filha até Liquiçá.
“Coloquei a mochila ao meu lado e um dos ajudantes veio e levou-a, dizendo apenas que a deixasse com ele. Pouco tempo depois, outro ajudante ainda puxou a minha filha para a forçar a seguir para o seu autocarro. Fiquei com muito medo, pensei que iam fazer desaparecer os nossos pertences”, relatou.
Segundo Briginha, este tipo de abordagem começa muitas vezes ainda antes de os passageiros saírem da microlete. “Eles entram diretamente no veículo e perguntam quem vai para Ermera. A seguir, pegam nas malas sem autorização e tentam arrastar-nos para os seus autocarros.”
A passageira sublinhou que estas práticas intimidatórias criam um ambiente de insegurança, especialmente para mulheres e crianças, que se sentem vulneráveis e desconfortáveis perante a agressividade dos ajudantes.
Osvaldo Lopes da Silva, de 30 anos, condutor de autocarro na rota Baucau–Díli, reconhece que há situações em que os ajudantes disputam agressivamente os passageiros no terminal de Becora. “Temos de disputar os passageiros, porque é assim que garantimos o nosso sustento. Se não acredita, venha ver com os seus próprios olhos como temos de lutar para ganhar dinheiro. Se o autocarro fica parado, ninguém entra. Por isso, os ajudantes são obrigados a agir assim”, justificou.
O condutor considera que, muitas vezes, são os próprios passageiros que criam confusão. “Alguns chegam com a família, entram num autocarro, mas depois tentam mudar para outro. Quando querem sair para trocar de veículo, já não deixamos”, afirmou.
Criticou ainda a falta de fiscalização da Direção Nacional dos Transportes Terrestres (DNTT) dentro do terminal, o que, segundo ele, obriga os condutores a instruir os ajudantes a esperarem na estrada para apanhar rapidamente os pertences dos passageiros. “Há sempre problemas com os passageiros, porque alguns não gostam que mexamos nas suas malas para as colocar no nosso autocarro. Esses conflitos, muitas vezes, acabam na polícia, mas explicamos sempre que esta é a nossa forma de trabalhar”, disse.
Sobre as acusações de assédio e violência verbal contra passageiras, Osvaldo rejeita as críticas: “Apenas pegamos na mão das mulheres para as ajudar a subir, nunca com más intenções. Também temos esposas e filhas.”
Um dos ajudantes, que preferiu manter o anonimato, afirmou que a abordagem direta aos passageiros é apenas uma forma de encher o autocarro mais rapidamente. “Se os passageiros nos tratam com respeito, nós também os tratamos bem. Esta maneira de apanhar passageiros já é normal para nós. Não queremos criar problemas. Se erramos, erramos todos juntos.”
Garantiu ainda que, em caso de perda ou dano de bens, assumem a responsabilidade: “Se os pertences dos passageiros se perdem ou se estragam, pagamos. Não deixamos que nada se perca sem compensação.”
Anteriormente, os autocarros que operam na rota Baucau–Díli seguiam um sistema rotativo: um autocarro partia apenas depois de estar cheio, e o seguinte aguardava a sua vez. No entanto, segundo um dos ajudantes, esse modelo deixou de ser viável. “Antes respeitávamos turnos, mas isso causava congestionamento. Por isso, a polícia obrigou alguns autocarros a parar na parte superior do terminal e outros no interior. Foi a partir daí que começou a disputa pelos passageiros. Além disso, o espaço no terminal é reduzido, o que dificulta ainda mais a organização”, explicou.
Os condutores admitem que este problema se arrasta há anos. No entanto, mostram abertura para mudanças. “Se o Governo obrigar os transportes públicos a vender bilhetes, nós cumpriremos. O mais importante é que essa medida não afete os nossos rendimentos”, sublinharam.
Governo promete reorganizar terminal de Becora, mas falta de espaço e atraso nas obras continuam a alimentar o caos
A diretora nacional dos Transportes Terrestres (DNTT), Maria Antónia, reconheceu a gravidade da situação nos terminais e justificou a ausência de medidas de controlo com as obras de reabilitação ainda em curso no Terminal de Becora.
Segundo a responsável, os conflitos entre motoristas e passageiros concentram-se sobretudo na linha Baucau–Díli, devido ao número excessivo de autocarros a operar nessa rota. Acrescentou que o espaço disponível no terminal é insuficiente para acomodar todos os veículos, o que dificulta a gestão e fomenta a desorganização.
Maria Antónia assegurou que, em breve, a empresa responsável pela reabilitação entregará a obra ao Governo. A partir daí, a DNTT passará a gerir formalmente o terminal. “Vamos implementar um sistema de horários, em que cada autocarro terá um tempo definido de paragem no terminal. Por exemplo, um veículo poderá estacionar por duas horas e depois deverá ceder lugar ao seguinte. Isso evitará a disputa entre motoristas e ajudantes”, explicou.
A diretora reconheceu, no entanto, que a medida não será uma solução definitiva, mas ajudará a reduzir os problemas. “É fundamental criar um sistema baseado em horários. Os transportes públicos não podem permanecer indefinidamente parados no terminal”, frisou.
Adiantou ainda que o Governo tem planos para construir, no futuro, um novo terminal fora da capital, destinado aos transportes públicos oriundos da zona leste. “Para isso, será necessário identificar terrenos adequados e garantir o investimento necessário”, afirmou.
Quanto à proposta de criação de um sistema de venda de bilhetes — reivindicação recorrente dos passageiros —, Maria Antónia considerou a ideia positiva e prometeu analisá-la. “Quando as obras estiverem concluídas, vamos avaliar a melhor forma de gerir o terminal”, garantiu.
A responsável da DNTT referiu ainda que será promovida uma campanha de sensibilização dirigida a condutores e ajudantes, sobre os direitos dos passageiros em matéria de segurança e conforto. “Neste momento, não há dignidade no processo. Os passageiros mal saem dos táxis ou microletes e são imediatamente abordados por cobradores que lhes tiram os pertences. Isso é uma forma de agressão e é inaceitável. Quando o terminal estiver operacional, essas práticas serão reguladas”, concluiu.
O Diligente tentou entrevistar o agente da polícia de trânsito destacado no terminal de Becora, mas este recusou-se a prestar declarações. Alegou que as situações relatadas pelos passageiros, como a disputa agressiva por clientes e a retenção forçada de pertences, são da responsabilidade da DNTT e não da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL).