Timor-Leste tem um dos mares mais ricos do mundo — mas não consegue protegê-lo. A pesca ilegal retira toneladas de peixe todos os anos, sem controlo, sem punição e sem infraestruturas para dar resposta. O Governo promete mudar, mas os desafios são profundos.
Em 2023 e 2024, cerca de 1020 toneladas de peixe foram extraídas ilegalmente das águas de Timor-Leste, o equivalente a 21,6 milhões de dólares americanos. O Governo reconhece que a falta de recursos humanos e materiais para patrulhamento e controlo dificulta o combate eficaz à pesca ilegal, e promete investir na produção nacional de pescado.
Segundo a organização internacional Mission Blue, Timor-Leste possui alguns dos recifes de coral e de biodiversidade marinha mais ricos do mundo. Em 2020, as águas do norte do país foram reconhecidas como Hope Spot, devido à sua relevância global para a conservação marinha.
Apesar desta riqueza natural, a biodiversidade marinha está sob constante ameaça devido à pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (conhecida pela sigla inglesa IUU fishing). O secretário de Estado das Pescas, Domingos da Conceição dos Santos, afirmou que, só nos últimos dois anos, a perda acumulada devido a estas práticas atingiu mais de mil toneladas de peixe.
De acordo com o relatório Timor-Leste Country Synthesis Report, publicado em 2022, tem havido uma tendência de redução da pesca ilegal desde 2018, passando de 6,4 mil para 2,5 mil toneladas por ano — um valor ainda assim equivalente a 53 milhões de dólares. Monitorizações realizadas em conjunto com países vizinhos apontam para perdas anuais superiores a 84 milhões de dólares.
Desde 2018, estima-se que Timor-Leste tenha perdido mais de 19 mil toneladas de recursos marinhos devido à pesca ilegal, especialmente nas zonas costeiras do Suai, Viqueque e Manufahi, conhecidas como a região de Tasi Mane. “As grandes embarcações procuram zonas de mar profundo, onde os recursos marinhos são mais abundantes”, referiu Domingos da Conceição.
João Bosco Soares, pescador de 43 anos residente em Díli, acredita que a pesca ilegal em Tasi Mane se deve sobretudo à presença de tubarões, cuja cauda é muito valorizada no mercado. “O Governo devia olhar para isso com atenção, porque corremos o risco de perder os peixes grandes. Quem pesca ilegalmente usa equipamentos muito avançados”, alertou.
Para João Bosco, a economia do Estado é a mais prejudicada, uma vez que a maioria dos pescadores timorenses faz apenas pesca de subsistência, com capturas pequenas e em zonas costeiras. “Os pescadores ilegais procuram apenas os peixes grandes. O Governo podia obter algum retorno se estas atividades estivessem legalizadas e registadas”, defendeu.
Apesar disso, reconheceu que a pesca continua a ser uma atividade difícil para quem usa barcos tradicionais e equipamentos simples. Por isso, pediu mais apoio governamental aos pescadores timorenses. “Ter um bom barco faz muita diferença no empoderamento económico dos pescadores”, afirmou.
João Bosco admitiu ainda que alguns pescadores timorenses também praticam pesca ilegal, ao navegarem para fora das águas territoriais de Timor-Leste. “Alguns chegam perto da ilha indonésia de Lira, junto a Ataúro, onde há mais peixe. Por vezes, acontecem transações ilegais de peixe e outros produtos entre pescadores timorenses e indonésios”, concluiu.
Jinu Braz de Araújo, coordenador do grupo Lenuk Tasi, que se dedica à proteção das tartarugas marinhas, alerta que a pesca ilegal tem impactos graves na biodiversidade marinha. Sublinha a urgência de investir em equipamentos adequados para investigação, controlo e proteção dos recursos marinhos e considera essencial a implementação de leis e planos de ação sérios e eficazes.
“É preciso reforçar o conhecimento das comunidades costeiras sobre pesca sustentável. Os peixes pequenos e os ovos de peixe não podem ser capturados. Caso contrário, vamos acabar com a biodiversidade e as próximas gerações não vão poder usufruir dela”, alertou.
Segundo Jinu Araújo, apesar do trabalho de monitorização da Unidade de Polícia Marítima (UPM), o controlo tem sido insuficiente devido à falta de meios. Informou que a UPM dispõe atualmente de um navio chamado Kay Rala Xanana Gusmão, utilizado para patrulhamento, mas considera que o país precisa de embarcações mais adequadas e equipadas para cobrir todo o território marítimo.
O coordenador denunciou ainda a falta de transparência nas operações de grandes embarcações autorizadas pelo Governo. “Foi concedida autorização a navios de grande porte, mas não conseguimos saber que espécies estão a ser capturadas. Pode até acontecer estarem a apanhar baleias ou golfinhos — e não sabemos”, alertou.
Mário Cabral, fundador do centro de estudos marinhos Hadomi Costeiro no Tasi, corrobora as preocupações com a falta de controlo sobre as atividades de pesca nas águas timorenses. “O problema agrava-se porque os navios estrangeiros não são acompanhados por inspetores timorenses e não existe um porto adequado para o desembarque e fiscalização do pescado”, afirmou. “Eles vêm em busca de lucro e recusam-se a ser acompanhados por autoridades locais. Isso é extremamente preocupante.”
Mário alertou ainda que o controlo marítimo é insuficiente e arriscado, uma vez que alguns navios estrangeiros transportam armas, o que representa um perigo acrescido para os agentes de patrulhamento timorenses, que não estão devidamente equipados.
O antigo docente de Ciências Marinhas referiu que é difícil identificar a origem dos navios que operam ilegalmente em águas timorenses, já que muitos navegam com bandeiras de países terceiros. Ainda assim, com base nas bandeiras detetadas, indicou que além da Indonésia, há navios das Filipinas, do Vietname e da Tailândia a operar ilegalmente no mar de Timor-Leste.
No que diz respeito à pesca ilegal cometida por timorenses, Mário Cabral reconhece que a falta de equipamentos de localização leva os pescadores a ultrapassar acidentalmente os limites das águas nacionais e a entrarem no território marítimo da Indonésia. Por isso, defende que os pescadores timorenses devem ser equipados com navios mais modernos e material de navegação adequado.
Explicou ainda que, na costa norte, os pescadores timorenses conseguem navegar até cerca de três milhas náuticas da ilha indonésia de Lira, ao largo de Ataúro. Já entre Baucau e a ilha de Wetar, ou entre Tutuala, em Lautém, e a ilha indonésia de Leti, a distância possível a percorrer pode ultrapassar as 20 milhas náuticas. (Uma milha náutica corresponde a aproximadamente 1,8 quilómetros.)
O Ministério da Agricultura, Pescas, Pecuária e Florestas (MAPPF) não tem competência direta para capturar navios estrangeiros que entrem ilegalmente nas águas timorenses. Cabe-lhe, sim, promover medidas de cooperação com o Ministério do Interior e o Ministério da Defesa, que detêm os poderes de atuação operacional contra a pesca ilegal.
De acordo com o secretário de Estado do MAPPF, Domingos dos Santos, foi criada uma Autoridade Marítima Nacional, composta pela Direção Nacional de Pescas, a Direção de Inspeções, a Componente Naval, a Unidade Marítima da Polícia e o Ministério dos Transportes e Comunicações.
Atualmente, a vigilância é feita com o apoio de equipamentos de rastreio, que permitem monitorizar as embarcações que entram em águas timorenses. “Este ano, foram detetados 12 navios ilegais de origem indonésia. Não foram identificadas embarcações de outros países”, informou o secretário de Estado, com base em dados da Direção de Inspeção.
Domingos dos Santos reconheceu, no entanto, que a Autoridade Marítima enfrenta limitações técnicas e que a Polícia Marítima carece de recursos materiais e humanos. “O MAPPF não tem competência legal para adquirir navios de patrulha. Mas, durante a comemoração do aniversário da Polícia Marítima, o ministro do Interior comprometeu-se a analisar essa questão”, revelou, acrescentando que será feito um investimento em equipamentos de vigilância para reforçar a capacidade de controlo da Polícia Marítima sobre todo o território marítimo timorense.
A adesão de Timor-Leste ao Acordo sobre Medidas do Estado do Porto (PSMA), promovido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), é vista pelo secretário de Estado como um passo importante na cooperação regional. Este compromisso envolve também a Indonésia, a Papua Nova Guiné e a Austrália, no âmbito do programa ATSEA — Arafura and Timor Seas Ecosystem Action.
No entanto, Domingos dos Santos sublinhou que esta adesão não significa a erradicação imediata da pesca ilegal, embora se mostre otimista quanto à capacidade do Estado para ultrapassar o problema.
Jinu Braz de Araújo, coordenador do grupo Lenuk Tasi, defende que o Governo deve também envolver o setor académico na resposta ao problema. “É importante colaborar com os estudantes e universidades para realizar pesquisas anuais sobre os tipos e origens dos navios ilegais, e produzir estudos de viabilidade ambiental e económica.”
O ativista reforça ainda a importância da educação ambiental junto das comunidades piscatórias. “É essencial educar os nossos pescadores para práticas sustentáveis e envolver os jovens na conservação da biodiversidade marinha. O mar é vasto, mas ainda são poucas as pessoas que trabalham neste campo”, concluiu.
Pescadores pobres num mar rico: Governo tenta virar a maré?
A maioria dos pescadores timorenses utiliza ainda barcos pequenos sem motor, movidos apenas a remos, o que limita fortemente a mobilidade e a capacidade de pesca. Jinu Braz de Araújo, coordenador do grupo Lenuk Tasi, destaca que a pesca em Timor-Leste continua, em grande parte, a ser tradicional, com equipamentos básicos e pouco conhecimento técnico. “Sem meios adequados, os pescadores conseguem pescar apenas por duas a quatro horas e em pequena escala”, sublinhou.
João Bosco Soares, pescador, relata que passa em média três dias no mar em cada viagem. Com uma cana de pesca, um barco com capacidade para uma tonelada e um motor de 15 cavalos, oferecido pelo Governo, consegue arrecadar entre 250 e 450 dólares por saída.
Antes, usava o seu próprio barco com motor de 40 cavalos, e gastava entre 200 e 300 dólares para pescar nas zonas de Ataúro, Loes, Maubara e Manatuto. “Precisava de 80 litros de gasolina. Agora uso apenas 30 litros e o custo baixou para cerca de 100 dólares, o que me permite uma margem de lucro maior”, explicou.
O secretário de Estado das Pescas, Domingos dos Santos, afirmou que o Governo reconhece o enorme potencial económico do setor e pretende investir na produção interna de pescado. Segundo os dados apresentados, Timor-Leste conta atualmente com cerca de 6 mil pescadores e mais de mil grupos de pesca organizados. Até ao momento, foram atribuídos 90 barcos artesanais, estando mais de 240 embarcações em preparação para distribuição a diferentes grupos.
Paralelamente, está em curso um projeto-piloto de pesca em larga escala, com a aquisição de um navio de 5 toneladas brutas (gross tons, medida internacional que indica o volume interno de uma embarcação). Este navio será utilizado para testar a viabilidade da produção. Caso os resultados sejam positivos, está prevista a compra de mais 5 a 10 navios iguais, a distribuir por diferentes regiões. Se o retorno for ainda mais favorável, o plano do Governo é aumentar a frota para embarcações de 30 a 100 toneladas brutas.
“Se colocarmos um navio com a nossa bandeira no centro do nosso mar, mesmo que apenas a 2 ou 5 milhas náuticas da costa, já serve como sinal de dissuasão para navios ilegais”, sublinhou Domingos dos Santos.
No entanto, o responsável apontou diversos desafios estruturais que precisam de ser resolvidos: a ausência de portos especializados para o desembarque do pescado, falta de recursos humanos qualificados e a inexistência de armazéns frigoríficos para conservar o peixe durante longas campanhas no mar.
“Ainda não temos infraestruturas adequadas. Sem um porto de pesca com capacidade para descarregar e identificar as espécies capturadas, não podemos autorizar grandes empresários a operar legalmente no país”, afirmou.
Domingos dos Santos destacou ainda uma preocupação com a nutrição da população timorense. Atualmente, o nível de malnutrição atinge os 41%. Por isso, o Governo recomenda que cada cidadão consuma pelo menos 10 quilos de peixe por ano, mas a média nacional é de apenas 7 quilos.
No setor da aquicultura, Timor-Leste produz cerca de 900 mil toneladas de frutos do mar, enquanto a pesca marítima representa apenas 8,6 mil toneladas por ano — um volume insuficiente para satisfazer a procura interna, sobretudo se se considerar a crescente demanda de exportação.