Em entrevista com o Diligente, o diretor-executivo da ONG Luta Hamutuk fala sobre os progressos e falhas na implementação dos projetos de construção de estradas ao longo dos anos.
Luta Hamutuk é uma Organização Não Governamental (ONG), estabelecida a 20 de junho de 2005, com o objetivo de monitorizar o processo de elaboração do Orçamento Geral do Estado (OGE) e a sua implementação, principalmente no setor das infraestruturas. A supervisão, de acordo com José Alves da Costa, consiste em estudar os documentos do Governo e os projetos de construção, além de ir ao terreno avaliar o estado da obra e posteriormente realizar análises, com o apoio de engenheiros. Numa última fase, apresentam os resultados para que o Governo e as empresas melhorem o seu trabalho.
De acordo com os dados do Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB em inglês), Timor-Leste possui uma rede rodoviária de cerca de 7.500 quilómetros (km), dos quais 4.700 km são estradas rurais. Cerca de 1.400 km de estradas nacionais ligam a capital, Dili, aos 12 municípios, enquanto 770 km de estradas municipais ligam os principais centros populacionais às estradas nacionais.
Melhorar a condição das vias e ampliá-las para chegar a mais lugares e pessoas beneficia a agricultura, a indústria e o turismo, contribuindo para a diversificação económica no país, frisou José Alves da Costa.
Em entrevista com o Diligente, o diretor-executivo da Luta Hamutuk aborda os progressos e as falhas na implementação dos projetos de construção de estradas ao longo de 22 anos.
De acordo com a supervisão da Luta Hamutuk, como tem sido utilizado o orçamento do Fundo Petrolífero (FP) na diversificação da economia do país?
Desde 2007 até à data, usamos quase 16 biliões do Fundo Petrolífero. Não podemos ver o Fundo Petrolífero independentemente do OGE. Depois de o incluirmos no OGE, é que se aloca financiamento para os salários, bens e serviços, capital menor, capital de desenvolvimento e transferências públicas. Agora quanto à atribuição de fundos ao capital de desenvolvimento, qual foi o montante atribuído à irrigação, às estradas e aos lugares turísticos? Na minha opinião, o Fundo Petrolífero é apenas para gastar, sem produzir nada. Não diversifica a economia. Se o usássemos para diversificar a economia, o setor agrícola já estaria mais desenvolvido, já teríamos indústrias para produzir matérias-primas, indústria de peixe, e outros.
Como é que a organização avalia a transparência e a prestação de contas na utilização do Fundo Petrolífero para projetos de infraestruturas?
Não há uma lei que obrigue os Governos a publicarem informações pormenorizadas sobre projetos de construção. Por exemplo, quando um projeto é aprovado, deveria ser publicado, na página oficial do Governo, o processo de documentação e implementação, como o nome das empresas vencedoras, prazos e orçamentos. Infelizmente, estas práticas não são consistentemente seguidas. Antes do VII Governo, não houve transparência nesses aspetos. No anterior é que começou a haver maior abertura, com orçamentos e pormenores dos projetos publicados na página do Ministério das Obras Públicas. Já no atual Governo essas informações são consideradas confidenciais, o que dificulta o acesso do público aos detalhes dos projetos.
Um exemplo é um projeto em Aitarak-Laran, cuja ausência de quadros informativos gera dúvidas se o projeto usou orçamento privado ou público. Os quadros informativos são importantes para que o público saiba os custos, a duração e a empresa responsável pelo projeto. Sem transparência, é difícil para a população controlar a evolução dos projetos.
Este Governo aposta no Greater Sunrise para melhorar a economia do país. Como avalia esta questão?
Penso que até ao momento, não temos a certeza se o gasoduto vem ou não, porque há uns meses, o primeiro-ministro foi à Austrália para se encontrar com o seu homónimo, e foi sugerido que Timor fizesse outro estudo. Temos um grande problema: a Timor GAP, a empresa pública de petróleo e gás de Timor-Leste que atua em nome do Estado na prossecução de negócios no sector do petróleo e gás, veio dar coragem e esperança ao primeiro-ministro de que o gasoduto vem para cá, porque já fizeram estudos. Mas, até ao momento não há sinais positivos.
A Luta Hamutuk também fez supervisão aos projetos de construção. Quais os projetos atuais com irregularidades?
A Luta Hamutuk já analisou quase 130 projetos de infraestruturas, como construção de estradas, pontes, valetas, casernas da polícia, irrigação, escolas públicas, clínicas e hospitais. Destes 130, identificámos 86 com anomalias. Mas por ajudarmos sempre a corrigir as irregularidades, conseguimos salvar mais de 60 projetos. Há um que consideramos crime de corrupção, porque há participação económica. Quando identificámos o problema, relatámos ao ministério competente e depois fizemos monitorização e inspeção conjunta com a Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça e com a Comissão Anticorrupção, acompanhados pela comunicação social. Naquela altura, em 2009, um membro do Governo e um diretor nacional foram presos. O trabalho da Luta Hamutuk tem tido uma evolução positiva e, muitas vezes, a comunidade considera que a organização é o lugar para apresentarem irregularidades na construção de estradas.
Porque é que a comunidade se queixa à Luta Hamutuk?
Desde 2005, já fomos a 13 municípios para dar formação aos cidadãos sobre a riqueza que o país tem, como os recursos que estão no mar e na terra. Ensinámos como funciona o OGE e distribuímos um livro sobre o assunto. Também explicámos, em linhas gerais como monitorizamos um projeto. As pessoas querem ter boas estradas para se poderem deslocar com segurança. Pensámos em criar sucursais da Luta Hamutuk, o que significaria ter muitos fiscalizadores nos seus próprios lugares. Infelizmente, por falta de financiamento, não conseguimos avançar com esta ideia.
O Estudo do Banco Asiático de Desenvolvimento revela que os eventos históricos recentes de chuvas extremas em Timor-Leste causaram danos extensos em partes de estradas, destacando a necessidade urgente de abordar os riscos das mudanças climáticas em todas as fases do desenvolvimento das infraestruturas rodoviárias, incluindo projeto, construção e manutenção. Será que os projetos nacionais estão a levar a questão climática em consideração?
Primeiro, há falhas nos estudos preliminares. Muitas estradas estragaram-se ainda durante o processo de construção. Isto acontece porque, no estudo de viabilidade, não se incluem os peritos da terra. Outro problema tem a ver com os engenheiros das empresas construtoras que realizaram o estudo apenas durante a época seca, sem identificar se havia apenas um rio ou outras vias por onde a água passa. Em Timor, durante chuvas torrenciais, a água pode surgir em vários locais, transformando o solo em lama. Por isso, é importante que os engenheiros também realizem estudos durante a época das chuvas para medir o volume de água e desenhar uma construção adequada à força das águas, garantindo a durabilidade e a segurança da estrada. Falei com o Ministro das Obras Públicas [Samuel Marçal] e ele reconheceu esta falha. Outro problema significativo é a falta de controlo das obras. Os técnicos responsáveis não supervisionam adequadamente cada fase da construção. De acordo com os contratos que a Luta Hamutuk acompanhou, o técnico deve verificar se as medidas e materiais estão de acordo com o Bill of Quantities (BoQ), um documento que especifica os recursos necessários para o projeto. Muitas vezes, essa verificação não é realizada, permitindo que as empresas usem materiais de fontes não detalhadas, o que afeta a qualidade das estradas.
“A comunidade relata que os funcionários do ministério das Obras Públicas apenas observam dentro do carro e que alguns são subornados pelos responsáveis dos projetos para não revelarem anomalias. Essas alegações são altamente prováveis, se tivermos em consideração os resultados das construções, que se estragam facilmente”
Quais são as medidas de adaptação às mudanças climáticas apropriadas para Timor-Leste? E como podem ser implementadas de forma eficaz?
Como medida de adaptação às mudanças climáticas, muitas organizações não governamentais têm implementado programas para plantar árvores nas margens das estradas, prevenindo assim a erosão e deslizamentos de terra. Em estradas como as de Maubisse, Aileu e Ainaro, por exemplo, foram cultivados arbustos na beira das vias, o que já trouxe benefícios notáveis. No entanto, é importante também cultivar plantas alimentares, pois isso preocupa a comunidade local. Além disso, é necessário aumentar o controlo. Muitas vezes, a comunidade relata que os funcionários do ministério das Obras Públicas apenas observam dentro do carro e que alguns são subornados pelos responsáveis dos projetos para não revelarem anomalias. Essas alegações são altamente prováveis, se tivermos em consideração que as construções se estragam facilmente.
Segundo o relatório do Banco Mundial, divulgado este ano, apenas 30% da população em idade laboral está empregada formalmente, ou seja, com algum tipo de contrato de trabalho, o que faz com que muitos jovens optem por trabalhar fora. Será que mandar os jovens fora, para fazer o que eles deveriam fazer no seu país, é um dos meios para diminuir o desemprego?
Penso que enviar jovens para trabalhar no exterior não é a solução definitiva para o desemprego no país. Desde 2009, recomendámos ao Governo que o trabalho em outros países não deve ser um projeto governamental, como acontece atualmente com o envio de pessoas para a Austrália e para a Coreia do Sul. O nosso país tem potencial para produzir e os jovens são capazes de contribuir para isso. Sei que muitos jovens ficam tristes por deixar as suas famílias aqui, mas por estarem desempregados, não têm outra opção. O Governo deve implementar políticas que promovam o desenvolvimento local. O OGE deveria ser utilizado para diversificar a economia. Somente enviar trabalhadores para o exterior é inadequado. Se enviarmos jovens para o estrangeiro, o objetivo deverá ser a formação. Eles podem adquirir experiência e conhecimento e, depois de alguns anos, voltam e contribuem para o desenvolvimento da agricultura local, e podem também dar formação aos outros. Mas, na realidade, o que acontece é que os jovens voltam, gastam todo o dinheiro que ganharam no estrangeiro e ficam novamente desempregados. Esta política de mandar pessoas trabalhar para fora não é sustentável.
De acordo com os dados do Governo, o Fundo Petrolífero ainda tem aproximadamente 18 biliões de dólares e os recursos podem esgotar em 2035. De acordo com a Luta Hamutuk, o que deveria ser feito para evitar este cenário?
O Fundo Petrolífero deve ser utilizado de forma estratégica. Precisamos perguntar se o dinheiro é investido na diversificação económica ou se é gasto sem um propósito claro. O orçamento foi usado principalmente para pagar aos veteranos, para bens e serviços, e para a compra de novos carros para o Parlamento, não abrangendo os setores-chave para o desenvolvimento do país. O petróleo é um recurso finito; quando acaba, acaba. Portanto, a questão crucial é: como é que estamos a usar esse dinheiro? Se continuarmos assim, o fundo pode esgotar antes de 2030. É fundamental que o povo tenha um papel ativo no controlo do processo orçamental para garantir que os recursos sejam utilizados de maneira eficiente e sustentável.
“Agora ouvimos os Governantes a falar em Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, um conjunto de 17 metas globais estabelecidas pelas Nações Unidas em 2015 para promover o desenvolvimento sustentável até 2030. O que é que já foi feito? Já atingimos algumas destas metas? Não podemos medir, porque cada Governo vem com arrogância, com a própria política, e depois de terminar o mandato, nada continua”
Que balanço faz do trabalho desenvolvido pelos Governos durante 22 anos de restauração da independência?
Na minha opinião, ainda não há lei para que os Governos cumpram objetivos, de forma a atingirmos determinadas metas. Por exemplo, antes, em 2002, tínhamos o compromisso de alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio [MDG, sigla em Inglês], eram oito objetivos globais estabelecidos pelas Nações Unidas, no ano 2000, com o objetivo de enfrentar problemas globais e melhorar as condições de vida em todo o mundo até 2015. O compromisso era, até 2015, reduzir a mortalidade materna, melhorar o atendimento no hospital, todas as pessoas terem acesso a água e saneamento e um atendimento público de saúde de qualidade, mas, na realidade, já estamos em 2024 e estes problemas ainda persistem. Agora ouvimos os Governantes a falar em Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [ODS], um conjunto de 17 metas globais estabelecidas pelas Nações Unidas, em 2015, para promover o desenvolvimento sustentável até 2030. O que é que já foi feito? Já atingimos algumas destas metas? Não podemos medir, porque cada Governo vem com arrogância, com a própria política, e depois de terminar o mandato, nada continua. Por isso, em todos os mandatos há reformas administrativas, mas o desenvolvimento não chega ao povo. Os sucessivos Governos só procuram lucro para si ou oportunidades nas instituições públicas para dar trabalho aos seus amigos do partido. Assim não há desenvolvimento.
Governos ou desgovernos?
Teem sido mais um “dividir para reinar”