Intervenção militar em congresso da FFTL levanta questões legais e reações do Governo

Presidente da Associação de Futebol de Díli, Aleixo Cobra /Foto: Diligente

A presença de militares no congresso da FFTL gerou controvérsia e questionamentos legais sobre o uso de recursos militares em contexto civil. Aleixo Cobra, presidente da AFDL, vai apresentar queixa por abuso de poder contra Domingos Raul “Falur Rate Laek”, Chefe do Estado-Maior e presidente interino da FFTL.

O Presidente da Associação de Futebol de Díli (AFDL), Aleixo Cobra, anunciou que irá formalizar uma queixa ao Ministério Público contra Domingos Raul “Falur Rate Laek”, Presidente Interino da Federação de Futebol de Timor-Leste (FFTL) e Chefe do Estado-Maior das F-FDTL, devido a uma agressão que alega ter sofrido durante o Congresso extraordinário da FFTL, realizado no Hotel Novo Turismo, em Lecidere – Díli, no passado sábado, 26 de outubro.

Durante o congresso, Aleixo Cobra tentou intervir para questionar a condução dos trabalhos, mas viu o seu pedido negado pela mesa diretora. Na sequência, Falur Rate Laek ordenou que membros da Polícia Militar intercedessem, resultando na retirada forçada de Aleixo Cobra do local.

Este acusa o presidente interino de abuso de autoridade, apontando que o evento foi marcado por “manipulação” e “uso de poder militar”. “Estamos a preparar os documentos com os meus advogados para levar ao Ministério Público. Não se trata apenas de agressão física, mas de uma atitude brutal que eu e a minha família não aceitamos. Este ato ditatorial precisa de ser denunciado”, informou Aleixo Cobra em entrevista ao Diligente.

Alegações de ingerência militar e violação das regras da FIFA

Aleixo Cobra denunciou que a intervenção militar no congresso da Federação de Futebol de Timor-Leste (FFTL) viola os regulamentos da FIFA, que determinam que a segurança destes eventos deve ser assegurada pela própria federação, e não por forças militares. “Em congressos de futebol, é fundamental haver espaço para debate. Ao solicitar a palavra, fui imediatamente silenciado, com ordem direta de Falur Rate Laek para que, caso insistisse, os militares me impedissem”, explicou.

O presidente da Associação de Futebol de Díli (AFDL) relatou ter sofrido lesões nas costas e no braço esquerdo devido à força aplicada pela Polícia Militar. “Torceram o meu braço ao ponto de me lesionar. Fui empurrado e tratado de forma humilhante”, descreveu. Além disso, acusou o Coronel Renilde Corte Real e Silva, presente no local, de ordenar o afastamento dos jornalistas, impedindo que registassem a cena.

Aleixo Cobra condenou a brutalidade da intervenção e afirmou que prosseguirá com uma ação judicial contra Falur Rate Laek: “Os grupos que defendem Falur Rate Laek agem como os criminosos da era indonésia. Vou levá-lo a tribunal porque considero-o um violador dos direitos em Timor-Leste”.

O presidente da AFDL admitiu que, no momento do congresso, já era tarde e que não cumpriu o horário previsto, razão pela qual a comissão da mesa lhe recusou a oportunidade de intervir.

A queixa de Aleixo Cobra também levanta a questão de uma possível violação dos estatutos da FIFA, que exigem independência das federações de futebol face a qualquer interferência política ou militar. O artigo 15 dos Estatutos estabelece que as federações devem assegurar a sua autonomia e evitar interferências externas. Segundo o regulamento, “os estatutos das associações membros devem cumprir com os princípios de boa governação e conter, pelo menos, disposições relacionadas com os seguintes assuntos: manter neutralidade em questões políticas e religiosas; proibir todas as formas de discriminação; ser independentes e evitar qualquer forma de interferência política”.

Aleixo Cobra considera que a acumulação de cargos pode gerar conflitos de interesse, uma vez que a F-FDTL é uma instituição de defesa nacional, enquanto a FFTL se dedica ao desporto e ao desenvolvimento do futebol. “Além disso, a FIFA impõe diretrizes rigorosas contra interferências políticas diretas nas federações de futebol, de forma a garantir a sua independência e evitar que líderes militares ou políticos influenciem diretamente as operações desportivas”.

Acrescentou também que os estatutos da FIFA exigem que a segurança dos eventos seja garantida por forças civis designadas pela própria federação, e não por forças militares, “o que torna a intervenção da Polícia Militar no congresso uma ação questionável sob as diretrizes da FIFA”.

Federações de futebol de Timor-Leste apelam ao respeito por Falur Rate Laek

Os membros da Federação de Futebol, na conferência de imprensa na Sede Xanana Sport Center no dia 28 de outubro, apelaram ao respeito e condenaram ataques pessoais que não têm relação com as atividades desportivas, criticando o uso das redes sociais, em especial o Facebook, para prejudicar a imagem pública de Falur Rate Laek através de difamações e insultos.

O porta-voz dos membros da Associação de Futebol de Timor-Leste, e atual Presidente da Associação de Arbitragem de Timor-Leste, Níveo Da Costa Fernandes, destaca que o Tenente-General Falur Rate Laek é também um ex-membro da resistência, que lutou pela libertação nacional do povo e da terra de Timor-Leste. “Se considera que foi vítima de alguma agressão física no recente Congresso Extraordinário, tem o direito de apresentar uma queixa à justiça,” afirmou o porta-voz.

Níveo acrescentou que, caso o assunto seja levado a tribunal, os 13 membros da Associação de Futebol estão prontos para apoiar o Presidente Interino da FFTL, Falur Rate Laek.

Ramos-Horta condena ação militar no congresso da FFTL

Presidente da República em conferência de imprensa depois de regressar de Portugal /Foto: DR

O Presidente da República, José Ramos-Horta, manifestou preocupação com o impacto negativo para a imagem das Forças Armadas de Timor-Leste (F-FDTL) após o episódio de violência. Para Ramos-Horta, o incidente representa um “detrimento” à instituição militar.

“Ao cometer atos de violência ou ao adotar comportamentos inadequados, é o nome da instituição que sofre as consequências, enquanto a vítima permanece na condição de vítima”, afirmou Ramos-Horta. O Presidente destacou ainda a importância do diálogo e da resposta pacífica para resolver conflitos: “Sempre digo, tanto em Timor-Leste como em outros países, que quem recorre à violência como primeira resposta perde legitimidade.”

Ramos-Horta sublinha a importância de preservar a integridade das F-FDTL, alertando para o risco de a instituição militar se ver associada a controvérsias que não condizem com a sua missão de defesa e segurança do país.

Nélio Isaac: “Timor-Leste é o único país onde militares invadem um congresso de futebol”

O Ministro da Juventude, Desporto, Arte e Cultura (MJDAK), Nélio Isaac Sarmento, afirmou que Timor-Leste é o único país no mundo onde militares intervêm num congresso extraordinário da Federação de Futebol de Timor-Leste (FFTL).

“Acompanho congressos de organizações de futebol em todo o mundo, incluindo os da FIFA, e nunca há intervenção de forças de segurança ou militares em qualquer congresso, pois isso é proibido. Mostrar este tipo de ação é uma intervenção direta nos assuntos internos da FFTL, o que pode ter consequências, especialmente no contexto da FIFA”, explicou o Ministro Nélio Isaac.

O governante sublinhou que “as regras da FIFA são claras — não pode haver interferência do poder político, económico e muito menos dos militares”. Neste sentido, apelou à FFTL para que utilize os seus próprios meios para resolver os problemas que surgiram, destacando que o foco deve estar exclusivamente no desenvolvimento do desporto para o futuro, reforçando ainda que as atividades desportivas não podem sofrer intervenção de forças políticas, económicas ou militares.

“Estou a par deste acontecimento, mas, até ao momento, não recebi nenhum relatório escrito. A Comissão Nacional do Desporto (CND) ainda está a proceder à análise e elaboração dos seus relatórios”, concluiu o ministro.

Quanto ao acionamento da Polícia Militar em contexto civil, uma fonte jurídica consultada pelo Diligente foi enfática: “A legislação timorense não autoriza o uso de elementos da Polícia Militar para intervir em situações civis, especialmente em eventos desportivos, que não envolvem a defesa nacional ou a segurança pública.” Esta intervenção poderia ser considerada uma extrapolação das competências do cargo, uma vez que a segurança militar é estritamente reservada a funções de proteção do território e à manutenção da ordem pública.

Sobre o possível abuso de poder, a fonte afirmou que o uso de recursos militares em contexto civil e a alegada agressão física por parte da Polícia Militar podem, de facto, configurar um crime de abuso de poder. “A instrumentalização de meios e poderes públicos para fins pessoais ou interesses particulares configura uma violação da lei”, disse, citando o artigo 297.º do Código Penal, que tipifica o abuso de poder.

Silêncio oficial sobre a queixa de Aleixo Cobra contra Falur Rate Laek

O Comando da Polícia Militar de Timor-Leste ainda não recebeu um relatório oficial sobre o incidente em que membros da corporação, que escoltava o Chefe do Estado-Maior General Falur Rate Laek, teria agido com violência contra o presidente da Associação de Futebol de Díli (AFDL), Aleixo Cobra, durante o congresso extraordinário da Federação de Futebol de Timor-Leste (FFTL).

Em contacto telefónico com o Diligente, o comandante da Polícia Militar, Major Mateus De Jesus, afirmou: “Até agora, não recebemos nenhum relatório sobre o caso, pois, no momento, o senhor general estava presente no local e a ação foi orientada pelo coronel que o acompanhava. Para mais informações, é necessário dirigir-se ao Quartel-General.”

A equipa de comunicação das F-FDTL também não se pronunciou sobre a queixa que Aleixo Cobra irá apresentar ao Ministério Público contra o presidente interino da FFTL, Domingos Raul “Falur Rate Laek”.

O Capitão Salvador, da unidade de Justiça das F-FDTL, também afirmou não poder comentar o assunto devido a restrições impostas pelo comando. “De acordo com o regulamento interno, estamos limitados a fornecer informações apenas após autorização expressa dos superiores,” explicou.

O silêncio das autoridades levanta questões sobre a transparência e a responsabilidade na gestão de incidentes envolvendo membros da corporação em eventos civis, enquanto o caso aguarda desdobramentos judiciais.

Ver os comentários para o artigo

  1. E eu idiota, a pensar que so os jovens dos gangs de artes marciais e que andavam a porrada e a pedrada. Porque e que militares se intrometem em associacoes de futebol, orgaos civis?
    Se ele fosse presidente da associacao de futebol militar das Falintil eu compreenderia.
    Se a pessoa tem muito tempo livre porque nao o dispende no desporto entre militares e pessoal militarizado?
    O senhor Cobra foi de excelente comportamento. Podia o ter mordido e mordidela de cobra e deveras nefasta.
    No meu tempo o comando militar das forcas armadas organizava torneios de varias modalidades entre os varios aquartelamentos militares espalhados pelo pais.
    Foi tudo pelo submarino abaixo?

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