Deputados: representantes do povo ou defensores dos próprios interesses?

“Sem pensão vitalícia ninguém quer ser deputado. No futuro, não haverá mais pessoas interessadas em se tornar deputados, inclusive eu"/Foto: DR

A polémica das pensões vitalícias em Timor-Leste reacende o debate sobre a ética e a justiça na gestão de recursos públicos. A La’o Hamutuk critica a dependência do Fundo Petrolífero para financiar benefícios a ex-titulares, enquanto setores fundamentais, como saúde e educação, continuam negligenciados. Deputados e veteranos acumulam privilégios, mas quem paga o preço é a população.

A Presidente do Parlamento Nacional (PN), Maria Fernanda Lay, afirmou, no passado dia 12 de janeiro, que a revogação total da pensão vitalícia mensal dos ex-titulares é juridicamente inviável, dado o princípio dos direitos adquiridos.  “Os quatro pilares do Estado têm direito à pensão, e não podemos simplesmente revogar tudo. Se o fizermos, teríamos também de eliminar as pensões dos veteranos”, afirmou após reunião com os líderes parlamentares para agendar a sessão plenária.

Lay reconheceu, no entanto, a necessidade de uma análise mais detalhada e explicou que já encaminhou uma proposta para a comissão competente. Também sublinhou que o sistema de segurança social de Timor-Leste, iniciado em 2017, não permite sustentar pensões elevadas:  “Precisamos de audições públicas e consenso político antes de qualquer decisão. Não podemos comparar diretamente com outros países, como o Laos, onde os deputados não recebem benefícios semelhantes, mas têm transporte assegurado pelo Estado”, observou.

“A pensão vitalícia ainda está em discussão, mas o problema é que, após cinco anos de mandato, os ex-deputados não têm uma sustentabilidade financeira. Sem pensão vitalícia ninguém quer ser deputado. No futuro, não haverá mais pessoas interessadas em se tornar deputados, inclusive eu”, comparou Maria Fernanda Lay, ontem depois do encontro com o Presidente da República.

Críticas da La’o Hamutuk

A organização La’o Hamutuk criticou duramente a continuidade das pensões vitalícias em Timor-Leste, alertando para o impacto negativo desta política na alocação de recursos públicos essenciais. Segundo Febe Gomes, pesquisadora da organização, estas despesas consomem verbas significativas do Fundo Petrolífero, desviando-as de setores prioritários como saúde, educação e agricultura.

“A maior parte destas despesas, como as pensões dos ex-titulares, a pensão vitalícia e o apoio aos veteranos, depende do Fundo Petrolífero e tem um carácter consumptivo e subsidiário. Isso significa que o impacto é temporário para os beneficiários, mas, para a população em geral, é indireto, pois a alocação desses fundos impede que áreas essenciais para a vida dos cidadãos sejam devidamente priorizadas”, afirmou.

A La’o Hamutuk criticou ainda o foco excessivo em subsídios para veteranos, em detrimento de investimentos no futuro:  “Até quando continuaremos a valorizar o passado enquanto ignoramos sectores produtivos e o capital humano, que poderiam fortalecer a economia e melhorar a vida de todos os cidadãos?”, questionou Gomes.

A organização desafiou também a ideia de que a Lei da Pensão Vitalícia não pode ser alterada, lembrando que outras legislações, como a Lei de Gestão Financeira, já foram revistas. Para a La’o Hamutuk, o problema não é apenas legal, mas também ético, exigindo responsabilidade moral dos líderes para garantir o futuro do país.

Celestino Gusmão, outro pesquisador da La’o Hamutuk, defendeu uma revisão completa das pensões vitalícias, considerando-as desnecessárias para ex-titulares e ex-deputados:  “Após cinco anos de mandato, qualquer deputado deveria ter construído uma base sustentável para a sua vida. Estes recursos deveriam ser redirecionados para problemas urgentes, como nutrição e saúde, especialmente nas áreas rurais que continuam negligenciadas.”

Apesar de reconhecer que os direitos adquiridos não podem ser retirados de imediato, Celestino alertou para o facto de o défice fiscal poder tornar impossível a manutenção destas políticas no futuro:  “A lei pode e deve ser revista para eliminar regalias irracionais. O princípio básico deve ser a justiça económica e social, promovendo a equidade.”

Visão académica: a lei pode e deve ser alterada

O jurista e académico Armindo Moniz afirmou que esta lei é um documento político, não um dogma. Por isso, não existe nenhuma lei que não possa ser alterada ou revogada. “No momento em que criamos uma lei, as suas consequências podem obrigar-nos a revê-la ou alterá-la completamente no futuro”, explicou.

“A lei deixa aberta a possibilidade de extinguir a pensão vitalícia. Quem diz que não pode? Mas, como não há consenso no Parlamento Nacional, se a Presidente do Parlamento justifica a manutenção da pensão vitalícia dizendo que, sem ela, no futuro as pessoas evitarão candidatar-se como deputados, eu discordo. Os deputados estão ali, não de graça, mas porque são pagos”, declarou Armindo Moniz.

O académico enfatizou que a lei é feita para as pessoas, para servir as pessoas e trazer justiça. “Como a sociedade é dinâmica e está em constante mudança, a lei também precisa de se adaptar às condições e necessidades das pessoas”, defendeu.

Por fim, Moniz frisou que não basta afirmar que qualquer lei, incluindo a da pensão vitalícia, pode ser alterada ou revogada. “Isso depende de um verdadeiro consenso político”, concluiu.

Ver os comentários para o artigo

  1. Um trabalhador que recebe 150 dólares por mês (o salário mínimo no país) consegue sobreviver após o término do contrato. Como é possível que um deputado, que ganha cerca de 2 mil dólares por mês (sem incluir outras regalias), não consiga viver após o fim do mandato?

    Vamos ouvir uma música portuguesa: “Eles comem tudo, eles comem tudo”.

    Que vergonha!

  2. Todo aquele que quer ser deputado sem pensao vitalicia que levante o braco. Nao se preocupem, daqui a 25 anos, quando acabar a massaroca do petroleo, acabar-se-a a pensao vitalicia. Ate la mantenham-se com saude e plantem muita arvore da pataca.

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