Timor-Leste e a CPLP: Relações e realidades atuais

Timor-Leste celebra 25 anos de reconstrução com o apoio da CPLP, apostando na língua portuguesa e no fortalecimento das relações com a ASEAN, sendo uma ponte estratégica entre o Atlântico e o Sudeste Asiático.

O percurso de Timor-Leste desde a sua reconstrução após o referendo de 30 de agosto de 1999, cujo 25.º aniversário celebrámos recentemente, foi marcado por um clima de paz e harmonia, apesar do surgimento de problemas sérios que a Liderança Nacional conseguiu resolver de forma oportuna. Durante este mesmo período, Timor-Leste iniciou um processo de cooperação e entendimento com a Indonésia, incluindo com setores pró-integracionistas que anteriormente apoiaram a integração de Timor na Indonésia. Esse entendimento foi possível graças à política de reconciliação, já iniciada na última década da ocupação indonésia, e que continua até aos dias de hoje.

No entanto, é importante destacar uma realidade menos conhecida. Durante o período mais brutal e sanguinário da ocupação indonésia, houve não só o genocídio de cerca de 200.000 timorenses, como também o aniquilamento premeditado da elite intelectual de Timor. Isso criou um enorme vazio de quadros e dirigentes no momento da restauração da nossa independência. A minha geração, embora não tenha feito parte da Casa dos Estudantes do Império, esteve envolvida na instituição que se seguiu, a Procuradoria dos Estudantes Ultramarinos, e mais tarde na Casa dos Estudantes das Colónias, da qual fiz parte da Direção. Sou o único sobrevivente dessa geração por ter participado na Frente Externa da Luta, sobretudo na sua componente diplomática.

Uma das grandes apostas de Timor-Leste tem sido a recuperação da língua portuguesa, encarada como um fator de identidade, um veículo de transmissão do conhecimento e do saber científico. Esta aposta tem sido possível graças à cooperação com a CPLP, particularmente com Portugal e Brasil, cuja contribuição foi crucial na área da língua e do ensino, através da criação de escolas e da concessão de bolsas de estudo. Também no domínio da cooperação técnica – com formação de quadros do Estado, desenvolvimento legislativo e apoio na área da justiça – a CPLP tem desempenhado um papel fundamental. O aprofundamento do uso corrente do português é essencial para o futuro de Timor-Leste, sendo um exemplo de sucesso o modelo de Singapura.

Timor-Leste: Um elo entre a CPLP, a ASEAN e o Pacífico

Timor-Leste tem potencial para se tornar uma plataforma privilegiada de entrada da CPLP na ASEAN. A proximidade cultural com os países da CPLP oferece oportunidades únicas para alargar a influência da comunidade atlântica na zona do Sudeste Asiático. Com a ASEAN, surge uma enorme potencialidade económica, num mercado avaliado em 3,4 triliões de euros, além da diversificação geoestratégica, num contexto global cada vez mais instável. A ASEAN, encabeçada pela Indonésia, adota uma política de não-alinhamento, o que a torna um parceiro estratégico relevante para enfrentar os desafios globais.

À semelhança do Fórum Macau, que promove a cooperação económica e comercial entre a China e a CPLP, Timor-Leste, com os seus agentes económicos familiarizados com os mercados da ASEAN, pode ser um trampolim para a CPLP expandir as suas relações na região.

Empresas e oportunidades de negócio na integração económica da CPLP

A integração económica da CPLP no quadro da economia global requer competitividade, inovação e meritocracia. Além disso, é fundamental combater ativamente a corrupção, para que o setor privado da CPLP possa internacionalizar-se com sucesso. O papel das empresas é crucial no aproveitamento de oportunidades concretas, como as energias renováveis e as telecomunicações.

A ligação entre as empresas da CPLP e Timor-Leste também é vital para reforçar a educação e o uso diário da língua portuguesa. Exemplos como a Timor Telecom, o Hotel Timor, o Supermercado e Distribuidor PATEO, entre outras pequenas empresas no setor da restauração, têm promovido o contacto cultural e a transmissão de conhecimento. No entanto, estas presenças ainda são pequenas ilhas num vasto oceano dominado por negócios de restauração e hotelaria geridos por chineses, tailandeses, singapurenses e indonésios.

Durante a luta pela independência, a CPLP desempenhou um papel decisivo ao fornecer apoio inestimável. Hoje, na batalha pelo desenvolvimento e bem-estar dos nossos povos, Timor-Leste procura avançar para uma cooperação mutuamente benéfica, numa Ásia que se afirma como uma das regiões mais dinâmicas do mundo, onde a ASEAN mantém uma posição de não-alinhamento.

Esta integração com a CPLP, tanto no plano económico como cultural, pode ser a chave para o futuro de Timor-Leste, posicionando o país como uma ponte entre o Atlântico e o Sudeste Asiático.

Abílio Araújo, nascido em outubro de 1949 em Aileu, Timor-Leste, é economista e músico, e uma figura central na luta pela independência de Timor-Leste. É acérrimo defensor das Uma Lissan ou Casas Dinásticas de Timor que continuam a ser a estrutura-base sociopolítica da sociedade timorense, tendo o título Dato Siri Loe II da Casa Dinástica de Bismau Dasikoli. Foi um dos fundadores da FRETILIN e autor do programa e manual político do partido. Compositor de hinos revolucionários, destacou-se pela sua participação ativa na Frente Internacional, ao lado de Ramos-Horta. Foi nomeado Ministro de Estado para os Assuntos Económicos e Sociais em 1975, antes da invasão indonésia. Após anos de exílio, envolveu-se em negociações diplomáticas e, desde 2002, tem-se dedicado ao setor empresarial, especialmente na China e em áreas como energia e telecomunicações. Recebeu a condecoração Grande Colar de Timor-Leste em 2017 e, em 2022, foi nomeado Membro do Conselho de Estado.