Papa Francisco visita Timor-Leste: Grandes expectativas, altos custos e incidentes desconfortáveis

A primeira visita papal a Timor-Leste desde a independência foi marcada por entusiasmo e grandes esperanças nesta nação predominantemente católica. O Governo gastou milhões de dólares nos preparativos e organizou uma receção elaborada, enquanto as ruas de Díli estavam repletas de dezenas de milhares de espetadores que esperavam vislumbrar o pontífice. Estima-se que 600.000 pessoas participaram na missa do Papa em Tasi-Tolu, a maior reunião da história do Estado. Nos seus discursos a representantes do governo e da Igreja, o Papa fez várias recomendações importantes sobre servir o povo e construir a nação. No entanto, apesar destes aspetos positivos, vários incidentes que ocorreram durante a visita do Papa levantam questões sobre o valor global de um evento de custo tão elevado para o povo timorense. A Fundasaun Mahein (FM) escreveu a seguinte análise para chamar a atenção para estas questões.

Do ponto de vista da FM, a visita foi, na sua maioria, bem organizada, com as equipas de segurança timorense e do Vaticano a colaborar eficazmente para garantir a segurança do Papa e do público. O desempenho da PNTL e das F-FDTL durante a visita foi exemplar, e o público timorense comportou-se com disciplina e respeito.

No entanto, no final da visita, ocorreu uma grave violação do protocolo de segurança que comprometeu o bom trabalho realizado pelas organizações de segurança. O Primeiro-Ministro tentou escoltar o Papa, que estava sentado na sua cadeira de rodas. Esta ação quebrou o protocolo de segurança previamente acordado, que reservava este papel exclusivamente para o Presidente da República. A segurança papal interveio, insistindo que o Primeiro-Ministro recuasse, o que gerou uma disputa entre as equipas de segurança. O incidente foi filmado e amplamente divulgado nas redes sociais.

Esta quebra do protocolo de segurança ocorreu depois de um incidente semelhante durante a recente visita da Presidente da Índia a Timor-Leste. Nessa ocasião, um responsável de segurança indiano pediu ao Primeiro-Ministro para recuar depois de este ter tocado na Presidente visitante, novamente violando o protocolo estabelecido. Tal como no incidente mais recente, este evento foi filmado e partilhado por centenas de pessoas.

Além destes incidentes envolvendo ações inadequadas em relação a altos responsáveis, surgiram recentemente vários vídeos que mostram o Primeiro-Ministro a comportar-se de forma inapropriada com mulheres. Estes incluem um vídeo amplamente divulgado em que ele beija uma convidada estrangeira na boca e outro em que toca inapropriadamente numa jornalista.

Alguns poderão argumentar que os incidentes envolvendo o Papa e a Presidente da Índia foram relativamente menores ou que o comportamento controverso do Primeiro-Ministro revela apenas a sua natureza brincalhona e excêntrica. No entanto, a FM acredita que as ações do Primeiro-Ministro revelam um padrão de comportamento preocupante que vai muito além de pequenas quebras de protocolos de segurança ou brincadeiras. Pelo contrário, elas ilustram um desrespeito flagrante pelos limites pessoais e uma falta de profissionalismo, incluindo um desprezo pelas regras e procedimentos formais. Estas ações projetam uma imagem pouco profissional da liderança timorense, prejudicando a reputação internacional do país.

Além disso, quando cometidas por um alto responsável do Estado, particularmente alguém tão respeitado como o Primeiro-Ministro, estas ações transmitem uma mensagem ao público de que tal comportamento – especialmente em relação às mulheres – é aceitável. Isto é particularmente perigoso no contexto de Timor-Leste, onde o assédio e abuso sexual são generalizados, e mulheres e raparigas estão em risco constante de agressão. Na opinião da FM, os líderes são diretamente responsáveis por combater tais comportamentos tanto nas suas próprias vidas como a nível social. Ficamos, portanto, profundamente preocupados quando figuras de respeito se comportam de forma tão inaceitável.

A FM há muito defende que um aspeto crítico da modernização de Timor-Leste é a necessidade de reforçar a adesão a regras e procedimentos formais em todos os níveis do Estado e da sociedade. Os funcionários do governo, especialmente aqueles em cargos de topo, devem dar o exemplo ao respeitar os protocolos e não tratá-los como opcionais ou flexíveis. A contínua falha dos responsáveis eleitos em aderir estritamente às regras e procedimentos enfraquece o Estado de Direito em Timor-Leste, perpetuando a cultura de informalidade e “flexibilidade” que garante a continuidade da Lei do Acordo. Na opinião da FM, a corrupção e o nepotismo andam de mãos dadas com a informalidade e a flexibilidade, enquanto regras formais e procedimentos rigorosos asseguram um acesso mais equitativo aos serviços e oportunidades. Assim, se os líderes de Timor-Leste realmente desejam combater a corrupção e garantir uma vida digna para todos os timorenses, devem trabalhar para combater a informalidade e fortalecer as regras e procedimentos formais em todas as instituições.

Além das preocupações da FM sobre as violações dos protocolos de segurança e as suas implicações para o Estado de Direito e a imagem internacional de Timor-Leste, o Papa Francisco fez discursos poderosos durante a sua visita que ecoaram muitas das preocupações de longa data da FM. Em particular, destacou a necessidade de investir na juventude, especialmente através da educação, para evitar que sejam atraídos para atividades violentas, como gangues de artes marciais. O Papa elogiou os líderes timorenses pelo seu compromisso com a reconciliação com a Indonésia e pela manutenção da harmonia religiosa. Também apelou a ações concretas para combater a pobreza e melhor gerir os recursos naturais do país para o desenvolvimento sustentável.

O Papa Francisco também abordou questões sensíveis dentro da própria Igreja. Reconheceu a necessidade de combater o abuso sexual cometido por funcionários da Igreja e sublinhou a importância de respeitar a dignidade de todas as pessoas, independentemente das suas capacidades ou orientação. Também lembrou aos líderes da Igreja que são servos do povo e alertou-os para a tentação de explorar as suas posições para ganho pessoal. Esta mensagem, em particular, ecoa os argumentos que a FM faz regularmente sobre os abusos flagrantes de poder cometidos por aqueles que ocupam cargos poderosos neste país. A FM apoia fortemente as recomendações do Papa, particularmente as relacionadas com o investimento na educação e no desenvolvimento da juventude, bem como o seu aviso sobre as tentações que acompanham cargos de poder.

Apesar destas mensagens importantes, a FM questiona os elevados custos associados à visita e os seus benefícios globais para o público timorense. Os gastos do Governo ascenderam a milhões de dólares, mas muitos cidadãos que esperavam ver o Papa em pessoa ficaram desapontados devido à segurança apertada que limitou a interação com o público. Muitos expressaram queixas sobre o veículo do Papa ter passado rapidamente por Díli, dificultando a oportunidade de ver o pontífice visitante. Críticos nas redes sociais acusaram o Governo de organizar um evento “apenas para elites”, que excluiu as massas e impediu-as de interagir com o seu líder espiritual.

Agora que o evento terminou, a FM coloca várias questões, tais como: quais são os benefícios a longo prazo de uma visita tão breve? Os custos financeiros e sociais da visita justificam os seus benefícios espirituais e emocionais? Será que Díli continuará a estar mais organizada e limpa do que antes, tal como nos dias que antecederam a visita do Papa? Será que as infraestruturas continuarão a melhorar ao mesmo ritmo dos últimos meses? Os responsáveis irão aplicar as recomendações do Papa nas suas vidas e ações?

Em conclusão, a visita do Papa Francisco trouxe, sem dúvida, alegria e esperança para muitos, ao mesmo tempo que proporcionou uma plataforma para discutir questões importantes que Timor-Leste enfrenta. No entanto, a FM continua preocupada que, sem ações concretas de seguimento, os elevados custos da visita e os incidentes que envolveram altos responsáveis possam superar o impacto positivo da visita e das mensagens do Papa. A FM está particularmente preocupada com o facto de as ações do Primeiro-Ministro revelarem um desrespeito pelas regras e limites, ao mesmo tempo que perpetuam atitudes e comportamentos negativos em toda a sociedade timorense.

À medida que Timor-Leste olha para o futuro, deve equilibrar o simbolismo de eventos de grande visibilidade com um compromisso genuíno de enfrentar os problemas estruturais do país. Ao mesmo tempo, os funcionários do governo devem comprometer-se a manter a dignidade, o profissionalismo e o Estado de Direito, abstendo-se de comportamentos inadequados e aderindo estritamente às regras e procedimentos. Ao adotar as recomendações do Papa, os líderes de Timor-Leste poderão finalmente cumprir a promessa da independência, garantindo oportunidades iguais e a chance de uma vida segura e próspera para todos os timorenses.

A Fundação Mahein é uma organização apartidária que procura, desde a sua fundação em 2009, fortalecer o processo democrático e criar soluções duradouras para os desafios no setor da segurança em Timor-Leste.