A decisão da PNTL de impedir os estudantes universitários de protestar no recinto da UNTL contra a compra de carros de luxo pelo Parlamento Nacional gerou críticas da sociedade civil e levou juristas a alertar para sinais preocupantes de autoritarismo.
O grupo Estudante Universitário de Timor-Leste (EUTL) confirmou que vai manter a manifestação marcada para 15 de setembro no recinto da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), apesar da proibição da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL). Os estudantes acusam o comandante municipal de Díli, Orlando Gomes, de intimidação psicológica e consideram a decisão ilegal. A sociedade civil e juristas alertam que este comportamento representa uma ameaça à democracia. O comandante da PNTL tem evitado prestar declarações públicas sobre o caso.
Em declarações ao Diligente, Natalício Nunes, senado-geral da UNTL e porta-voz da EUTL, denunciou “comportamento autoritário” por parte de Orlando Gomes e contestou a decisão da polícia de transferir a manifestação para Tasi Tolu ou Hera.
“Nós entregámos a carta de conhecimento à PNTL no dia 4 de setembro às 16h. A lei exige resposta escrita e fundamentada no prazo de dois dias. Isso não aconteceu. Só fomos contactados por telefone no dia 9, fora do prazo legal”, explicou.
“Todas as manifestações anteriores contra o Parlamento decorreram na UNTL. Agora querem empurrar-nos para Hera ou Tasi Tolu. Porquê? Para isolar a nossa voz das elites políticas?”
Segundo Natalício, a proibição baseia-se nos artigos 5.º e 13.º da Lei n.º 1/2006, que restringem manifestações a menos de 100 metros de instituições públicas. No entanto, a EUTL defende que a aplicação destes artigos exige o cumprimento do artigo 11.º — que obriga a PNTL a comunicar por escrito e com fundamentação — algo que não aconteceu. “Portanto, a manifestação no recinto da UNTL é legítima”, sublinhou o porta-voz.
Natalício denunciou ainda episódios de intimidação durante uma reunião com representantes da EUTL: “O comandante ordenou a retirada da imprensa, bateu na mesa e ameaçou prender os estudantes se insistíssemos na manifestação. Fomos pressionados a assinar um acordo que a PNTL já tinha preparado, mas recusámos.”
Para o porta-voz, a polícia está a ser usada para silenciar críticas ao Parlamento Nacional. “Todas as manifestações anteriores contra o Parlamento decorreram na UNTL. Agora querem empurrar-nos para Hera ou Tasi Tolu. Porquê? Para isolar a nossa voz das elites políticas?”, questionou.
Natalício assegurou que o protesto será pacífico, limitado ao recinto universitário, sem ocupar vias públicas ou perturbar a ordem. “A UNTL é um espaço autónomo e de liberdade de expressão. Também é um local estratégico, porque os deputados podem ouvir-nos”, disse.
Apesar da ameaça de detenções, os estudantes afirmam estar preparados: “A PNTL disse que nos vai prender, mas se estamos a violar regras ou não, isso veremos. Não temos medo.”
A EUTL apelou ainda à adesão da sociedade civil, garantindo que a manifestação, prevista para durar um mês, é uma luta “social e coletiva” em nome da justiça para o povo.
“A polícia deve proteger os direitos humanos, não intimidar cidadãos. Num regime democrático, a PNTL é um pilar fundamental para garantir os direitos da população”
Críticas da sociedade civil e juristas
A repressão estudantil motivou críticas de organizações da sociedade civil. Inocêncio Xavier, investigador da Asia Justice and Rights (AJAR), classificou o comportamento do comandante Orlando Gomes como “pressão psicológica e intimidação”.
“A polícia deve proteger os direitos humanos, não intimidar cidadãos. Num regime democrático, a PNTL é um pilar fundamental para garantir os direitos da população”, defendeu.
Inocêncio lembrou ainda que o papel dos estudantes é patriótico e visa a sustentabilidade do Estado, não a instabilidade. Criticou também o Parlamento Nacional: “Os deputados usam a sua ignorância para legitimar a ganância. O salário de um deputado é dez vezes superior ao de um agente da polícia. A luta dos estudantes é também pelo futuro da PNTL.”
O investigador sublinhou que, de acordo com a Lei n.º 1/2006, manifestações pacíficas não exigem comunicação prévia à polícia. “Ainda assim, os estudantes mostraram respeito institucional ao notificar a PNTL, para evitar interferências externas”, disse.
Inocêncio questionou a aplicação seletiva da lei: “Se a Lei n.º 1/2006 já existia, porque é que antes estudantes e ativistas puderam manifestar-se em frente ao Parlamento sem interferência? Porque só agora querem aplicá-la?”
O investigador reforçou que a UNTL é uma instituição pública autónoma e um espaço legítimo para expressão cívica: “Esta manifestação não é um capricho estudantil, mas de interesse coletivo.”
Recordou ainda a recente declaração do Primeiro-Ministro, Xanana Gusmão, sobre a falta de fundos para os próximos quatro anos: “De onde virá o salário dos deputados, se continuarem a gastar em carros de luxo em vez de cortar no orçamento?”
Por fim, apelou ao Presidente da República, José Ramos-Horta, para que dê mais atenção ao país: “Não queremos repetir tragédias como na Indonésia ou no Nepal. O Presidente precisa olhar para dentro.”
“O Parlamento e a PNTL devem abandonar o ego institucional. A dignidade dos deputados não está no Prado nem na pensão vitalícia, mas em hospitais com medicamentos, educação de qualidade, justiça acessível e infraestruturas básicas para o povo”, concluiu.
“É muito triste ver que a polícia não compreende que ela própria faz parte da classe dos desfavorecidos. São os pobres contra os pobres, insultando-se e atacando-se por causa dos interesses das elites. É isso que está a acontecer agora em Timor-Leste”
Jurista classifica decisão da PNTL como ilegal e perigosa
O jurista e académico Armindo Moniz Amaral criticou duramente a atuação da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL), considerando “ilegal e perigosa” a decisão de proibir a manifestação estudantil no recinto da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL).
Segundo Armindo, a PNTL ultrapassou os limites da sua competência legal ao exigir a mudança da manifestação para áreas distantes como Tasi Tolu ou Hera, apoiando-se numa interpretação “equivocada e seletiva” da Lei n.º 1/2006 sobre o direito à manifestação.
“A PNTL não tem competência para autorizar ou não uma manifestação. De acordo com a Constituição, os manifestantes não precisam de pedir licença à polícia. Apenas têm o dever de informar, para que a polícia garanta a segurança de quem exige justiça junto das instituições que produzem injustiça”, afirmou.
“Lei dos 100 metros” é irracional
Armindo Amaral criticou ainda a regra que obriga manifestações a uma distância mínima de 100 metros dos edifícios públicos. Classificou-a como “irracional e antidemocrática”, uma vez que dificulta que as vozes dos manifestantes cheguem aos destinatários das reivindicações.
“Se a manifestação é contra o Governo, mas tem de acontecer a 100 metros de distância, então os manifestantes terão de gritar no meio do mar. Essa lei é absurda, e a forma como a PNTL a aplica, deslocando estudantes para locais distantes como Tasi Tolu, agrava ainda mais o autoritarismo”, disse.
O académico foi mais longe, acusando a PNTL de agir em defesa das elites políticas e de comprometer a democracia no país. Na sua perspetiva, a formação policial tem enraizado uma visão errada das manifestações, tratando-as como sinónimo de desobediência e instabilidade, em vez de as reconhecer como formas legítimas de exigir justiça.
“Infelizmente, a polícia não é ensinada a ver os manifestantes como cidadãos em luta por justiça, mas sim como elementos que ameaçam a ordem pública. Isso é um erro grave, presente desde a formação dos membros da instituição”, afirmou.
Armindo acrescentou que, numa leitura de classe social, a polícia pertence ao grupo dos oprimidos, mas, paradoxalmente, não protege os manifestantes, servindo os interesses da elite. “É muito triste ver que a polícia não compreende que ela própria faz parte da classe dos desfavorecidos. São os pobres contra os pobres, insultando-se e atacando-se por causa dos interesses das elites. É isso que está a acontecer agora em Timor-Leste”, lamentou.
“É um risco real. Precisamos de resistir a todas as forças que atentam contra a liberdade e a justiça no país”
O jurista apelou à população para que não veja os polícias como inimigos, mas antes para que promova a consciência social dentro das forças de segurança. “É preciso sensibilizar os polícias para que percebam que, no fundo, eles também fazem parte da classe oprimida”, defendeu.
Armindo sublinhou ainda que a luta estudantil é parte de uma agenda popular que exige ao Parlamento Nacional a suspensão da compra de carros de luxo e a realocação desses fundos para setores essenciais como a agricultura, a saúde e a segurança.
Para o jurista, o verdadeiro papel da polícia é proteger os cidadãos que lutam por justiça — neste caso, os estudantes — e não afastar a manifestação para locais longínquos como Tasi Tolu, em nome de uma suposta estabilidade.
“Mas estabilidade para quem? Para o povo ou para a elite que acumula privilégios, enquanto os cidadãos continuam inseguros e oprimidos pela injustiça? Isso é lamentável”, disse.
Armindo criticou ainda o facto de a PNTL convidar estudantes para diálogos que, segundo ele, não são da sua competência. “O papel da polícia não é dialogar ou escutar argumentos. Isso cabe ao Parlamento Nacional. São os deputados que devem ouvir os protestos, não as forças de segurança”, frisou.
O académico alertou que a tentativa de deslocar manifestações para locais distantes é um fenómeno preocupante de “antidemocracia” em Timor-Leste. “É um risco real. Precisamos de resistir a todas as forças que atentam contra a liberdade e a justiça no país”, concluiu.
“Se observarmos a cidade de Díli, não há espaços que cumpram a exigência de 100 metros em relação aos edifícios públicos. Por isso, informámos os estudantes de que poderiam manifestar-se, mas em Tasi Tolu”
Polícia mantém posição e evita responder a alegações
A Polícia Nacional de Timor-Leste reafirmou a decisão de não autorizar a realização da manifestação estudantil no recinto da UNTL, alegando fundamentos legais previstos na Lei n.º 1/2006.
O Comandante Operacional Nacional, Justino Menezes, justificou que a decisão se baseia no artigo 13.º da lei, que atribui à autoridade policial a competência para definir os locais apropriados para manifestações, de modo a garantir ordem e segurança pública.
“Se observarmos a cidade de Díli, não há espaços que cumpram a exigência de 100 metros em relação aos edifícios públicos. Por isso, informámos os estudantes de que poderiam manifestar-se, mas em Tasi Tolu”, explicou.
O comandante acrescentou que a PNTL chegou a propor acompanhar os estudantes até ao Parlamento Nacional para obter esclarecimentos diretamente dos deputados. No entanto, a proposta foi rejeitada pelos manifestantes, que insistem em realizar a ação no recinto da UNTL.
“Os estudantes podem realizar uma conferência de imprensa no campus, mas não uma manifestação”, sublinhou Justino Menezes, avisando que, caso os estudantes desobedeçam às instruções, a PNTL tomará medidas contra eles.
Contactado pelo Diligente sobre as alegadas intimidações durante a reunião com os representantes estudantis, o comandante municipal de Díli, Orlando Gomes, recusou prestar declarações: “Sobre essa questão, deve confirmar com o comandante da operação nacional, pois foi ele quem liderou a reunião”, disse antes de encerrar o contacto.


