Sisto: voz incansável dos “sem voz” em Timor-Leste

Sisto dos Santos, ativista e defensor dos direitos humanos faleceu aos 43 anos/ Foto: DR

Sisto dos Santos ou Kene Kene Lanara (nome de guerra), nasceu em 1979, no Alto Laleno, em Lautém. Terceiro filho de sete irmãos. De cabelo ondulado e comprido, sorridente, o poeta e ativista timorense gostava de vestir t-shirts com a imagem dos seus ídolos: Che Guevara e Francisco Borja da Costa.

Conhecido por ser voz de quem não tem voz, acérrimo defensor dos direitos humanos, combateu, até aos seus últimos dias de vida, a opressão e a injustiça social, dedicando a maior parte do seu tempo a defender e a promover os direitos dos mais vulneráveis.

Corajoso, crítico, solidário e determinado são algumas das caraterísticas apontadas pelos seus companheiros de luta. Era uma figura incansável na assistência aos grupos marginalizados: mulheres, crianças, trabalhadores, vendedores ambulantes, deficientes e qualquer pessoa, cujos direitos soubesse serem ou terem sido violados .

Até ao seu desaparecimento precoce no dia 17 de março de 2023, vítima de leucemia, aos 43 anos, Sisto assumiu o cargo de diretor da Associação Lei, Direitos Humanos e Justiça (HAK, em indonésio), à qual se juntou em 2006, como parte da equipa de monitorização dos assuntos dos direitos humanos, em Timor-Leste. De 2013 a 2020, assumiu o cargo de vice-diretor da organização. Em 2021, foi nomeado para liderar a associação.

Abraçou a missão de lutar pelos direitos humanos desde cedo, quando ainda era estudante, em Lospalos. Durante a ocupação indonésia, fez parte da União Nacional da Independência de Timor-Leste (UNIAMORTE), movimento juvenil que defendia a independência de Timor-Leste e atuou em redes clandestinas, onde fez serviços secretos com as Falintil.

Na altura, ajudava na luta pela autodeterminação, estabelecendo ligações com Lere Anan Timur, atual general reformado, e Punu-Fanu, atual coronel das Falintil-Força Defesa de Timor-Leste (F-FDTL).

Em 1999, com outros colegas, organizou uma manifestação em frente ao posto dos militares indonésios do batalhão 745, na vila de Lospalos. Expressavam o seu descontentamento relativamente à prisão de Xanana Gusmão, detido em Cipinang, na Indonésia.

Aos 19 anos, trabalhava como tradutor e segurança voluntário durante o referendo organizado pela equipa da Organização das Nações Unidas- UNAMET, em que se decidiria, a 30 de agosto de 1999, pela independência de TL em contraponto à integração na Indonésia.

Sisto dos Santos sempre procurou oportunidades para aprender. Matriculou-se, em 2001, na Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), em Ciências Políticas. Frequentou também cursos de inglês e formações de advocacia e liderança, promovidas pelo Fórum Nacional da Organização Não Governamental Timor-Leste (FONGTIL).

Durante o seu percurso na UNTL, destacou-se por ser visionário e crítico e por nunca se calar quando o assunto era a violação e exploração dos direitos do povo que tanto amava. Desde sempre, percebeu que vivia numa sociedade desigual, onde a violação dos direitos humanos, a discriminação das minorias e outros crimes são flagrantes.

Enérgico e consistente, como os seus amigos o caracterizam, olhava para os problemas sociais como “agulhas” que picavam o seu corpo e lhe tiravam o sono. Em busca de formas de combater os males da sociedade, acabou por, em conjunto com amigos ativistas, fundar vários movimentos como Front Mahasiswa Timor-Leste, uma organização de universitários do país, Front dos Trabalhadores, Front Roda 3 no Ai-leba (vendedores ambulantes), entre outras.

Assumiu papéis consultivos na Associação Chega ba Ita (ACBIT), no Instituto Maun Alin ba Kristu (ISMAIK), na Associação Nacional das Vítimas e no Centro Nacional Chega (CNC). O envolvimento nestes grupos era sempre com o propósito de encorajar as equipas a prestarem atenção e cuidados às vítimas de violação dos direitos humanos e aos grupos mais frágeis da sociedade.

Organizava manifestações, em Díli, com os seus camaradas Akita Tama Laka e Hélder Lopes, dois ativistas também já falecidos, e outros ativistas. Foi porta-voz dos movimentos, que se “levantaram” contra as políticas e medidas que não respeitavam os valores da democracia.

Foi detido, várias vezes, pelas forças policiais e tornou-se num rosto familiar na imprensa timorense, sendo convidado frequente em debates televisivos. “O único princípio firme deve ser o de combater a injustiça social e o obscurantismo político de maneira pacífica”, disse Sisto, aquando da sua participação num dos muitos debates em que participou.

Gananciosos e ambiciosos era como se referia aos governantes que põem os seus interesses pessoais acima dos interesses do povo e do país. Foram várias as vezes em que afirmou que os partidos políticos usam o povo como uma fonte para terem privilégios.

O ativista assumiu papéis consultivos na Federação Asiática Contra o Desaparecimento Involuntário e no Fórum Ásia. Como membro do grupo de trabalho das “crianças roubadas”, procurou as famílias das crianças que foram levadas pelos militares indonésios entre 1975 e 1999.

Humanista e solidário, procurou dar a voz às mulheres timorenses vítimas de escravidão sexual às mãos dos soldados japoneses, no período da invasão nipónica ao país e gritou contra a impunidade.

Como observador crítico da realidade, usava a sua câmara para fotografar as injustiças. No entanto, não olhava apenas para os problemas internos. Sempre foi solidário com causas globais, como a situação na Palestina, no Sahara Ocidental, em Cuba, na Papua Nova-Guiné e em Myanmar.

Sisto com a mulher e os três filhos / Foto: DR

A partida que deixa saudades e lições para outros ativistas

Por volta das 5h da manhã do dia 17 de março, uma sexta-feira, Timor-Leste perdeu Sisto, mas o seu legado continuará vivo. A ausência física deixa, inevitavelmente, uma grande tristeza nos familiares, amigos e companheiros de luta.

“Para os jovens, Sisto é um líder e um espelho. Muitos seguem o seu caminho pela defesa dos direitos humanos. O seu percurso inspirou muitos jovens, que vão dar continuidade ao seu legado na luta contra a corrupção e o nepotismo no país”, contou, ao Diligente, Luís Garcia, ativista de direitos humanos e amigo de Sisto.

Sublinhou ainda que o amigo sempre motivou os mais novos e nunca se rendeu a alegadas ameaças de que terá sido alvo por defender as suas convicções.

Berta Antonieta, ativista pela causa feminista, confessou ao Diligente, que Sisto foi uma grande inspiração e motivação. Lamenta que Timor-Leste tenha perdido alguém tão necessário para o país. Recorda o amigo pela sua solidariedade, espírito crítico, coragem e civismo. “Para mim, o camarada Sisto é uma inspiração. Sempre incentivou as mulheres a serem líderes.” Não se esquece das suas palavras: “A luta não faz sentido sem as buiberes (mulheres timorenses).”

O membro da organização RENETIL (Resistência Nacional dos Estudantes de Timor-Leste) e atual Provedor dos Direitos Humanos e Justiça, Virgílio Guterres, partilhou na sua página do Facebook, um testemunho sobre Sisto, onde salienta a sua consistência e determinação.

“Como um ativista dos direitos humanos, hoje, com a ausência física do companheiro Kene Kene, sinto que não tenho força. Sisto era um ‘trompete’, cujo som não era apenas para acordar as pessoas que não têm voz, mas também para aquecer as orelhas dos governantes.”

“No vocabulário do Sisto não existiam eufemismos e conformismos. Os governantes que não põem os interesses do povo acima dos seus eram considerados estúpidos, por Kene Kene”, acrescentou.

Virgílio Guterres recusou despedir-se do amigo ativista: “Eu não quero dizer descansa em paz, porque sei que nunca gostaste de descansar, sobretudo quando o povo ainda vive em más condições. Sisto, sei que não terás paz enquanto o povo maubere viver na injustiça. A luta continua!”

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