A Tia Fina

Delfina é carinhosamente chamada por Tia Fina/ Foto: Diligente

Resistência, humildade e competência marcam a história da empresária timorense, sob o sol e em frente ao mar

Em 2006, a empresária Delfina Maria Batista Guterres deparou-se com o seu restaurante vandalizado e roubado, entrando em desespero. “Levaram-me tudo. Fiquei sem nada. Até hoje não sei quem fez isso”, recorda. Na época, a instabilidade política em Timor-Leste, que quase eclodiu em guerra civil, deixou rastos de destruição em vários pontos da capital.

A sua rede de apoio, contudo, formada em grande parte por amigos portugueses, não a deixou desamparada. Solidários, os clientes insistiram para que a Tia Fina, como é carinhosamente chamada, não fechasse as portas do estabelecimento, passando a frequentá-lo com mais assiduidade. “Sou muito grata a todos. Quando mais precisei, deram-me a mão”, reflete.

Na altura, com o auxílio dos amigos, passou a ter também escolta da Guarda Nacional Republicana (GNR). “De manhã, ia com a funcionária de táxi para o restaurante e, à tarde, a GNR vinha buscar-nos e levar-nos para casa”, diz.

O espírito generoso que a abraçou nos momentos difíceis sente-se no Sol e Mar, o estabelecimento que gere.

Localizado na praia da Areia Branca, em Díli, o restaurante possui um ambiente simples e acolhedor – sobretudo pela presença da Tia Fina, que recebe todos com um sorriso e disposição para uma conversa.

Feito de materiais como folhas de palmeira e madeira, e preenchido com o vento fresco que vem do litoral, o estabelecimento oferece pratos típicos e desponta como uma espécie de cartão de visita para todos os que vêm a Timor-Leste. Quando as pessoas querem ir ao local, não dizem que vão ao Sol e Mar: dizem que vão à Tia Fina.

Entre partidas e regressos

Natural de Baucau, a Tia Fina estudou na escola municipal da localidade até aos 15 anos. O pai, João Baptista da Costa Guterres, que era professor e diretor da escola, e a mãe, Domingas da Costa Belo, sempre a incentivaram a estudar. A intenção dos progenitores era que a então jovem Delfina seguisse o caminho do pai e se tornasse professora.

Delfina com os pais, em Ossú, Viqueque, em 1969, com uma camisola de riscas/ Foto: Diligente

Em 1975, ano em que os militares indonésios invadiram Timor-Leste, o professor João foi uma das vítimas das perseguições políticas da época: desapareceu e nunca mais se soube do seu paradeiro. O episódio abalou a família, que encontrou forças entre amigos e parentes para seguir em frente. Três anos depois, Delfina casou-se com Evaristo Benevides, que era diretor dos Correios, Telégrafo e Telefones (CTT) de Baucau.

Em 1981, já com dois filhos, mudaram-se para Bandung, na Indonésia, onde viveram três anos. A família então regressou a Timor-Leste e o marido voltou a trabalhar em Baucau, na Administração Municipal, até ser transferido para Maubisse como Administrador do Posto. Nos anos seguintes, Evaristo ainda desempenhou vários cargos em Ainaro, onde, em 1999, chegou a ser administrador do município. Durante esses anos, a Tia Fina cuidava dos filhos e da casa.

O ano de 1999 em Timor-Leste foi um dos períodos mais conturbados da história recente do país. Após a realização do referendo, em que mais de 75% da população votou a favor da independência, milícias indonésias, contrárias ao resultado, espalharam uma onda de violência por todo o território timorense. Milhares de pessoas foram assassinadas.

À procura de refúgio, a Tia Fina e a família foram para Surabaya, na Indonésia, em setembro daquele ano. Dois meses depois, com a situação em Timor-Leste um pouco mais calma, regressaram ao país e seguiram para Díli, onde se fixaram.

Com a restauração da independência de Timor-Leste, em 2002, a Tia Fina amadureceu um antigo sonho: abrir um restaurante. Em 2004, o Sol e Mar é inaugurado na Areia Branca.

Paixão pela cozinha

A Tia Fina sempre teve paixão por cozinhar. Aprendeu a fazê-lo quando convivia com as tias, em Baucau. Faziam sempre bolos e cozinhavam vários tipos de comida. Após a abertura do restaurante, não demorou para que o reconhecimento viesse. Os pratos unicamente saborosos a preços justos, aliados à localização privilegiada e à simpatia da Tia Fina, agradaram a população local e turistas.

Em 2007, representou Timor-Leste em dois festivais de comidas tradicionais, um em Macau e outro em Portugal. No mesmo ano, realizou um curso de Biotecnologia na China, durante dois meses.
“Ser empreendedora não é fácil. É preciso trabalhar arduamente para atingir os fins”, ressalta a Tia Fina, relembrando que, no começo, o Sol e Mar tinha apenas quatro mesas. O espaço hoje, além de ter sido ampliado para acomodar os muitos clientes que recebe, abriga quatro miniapartamentos – arrendados maioritariamente por turistas.

Peixe, carne, rissóis e uma grande variedade de vegetais fazem parte do menu do Sol e Mar. O prato mais pedido é o marisco. No dia a dia, pessoas comuns e entidades frequentam o restaurante. A Tia Fina já perdeu a conta aos embaixadores que recebeu. Para a empresária, administrar o estabelecimento é motivo de grande felicidade, pois mantém-na ocupada, preenchendo um pouco do vazio deixado pela morte do marido, em 2018 – vítima de um enfarte fulminante enquanto dormia.

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O restaurante da Tia Fina na praia da Areia Branca, em Díli/ Foto: Diligente

Passado, presente e futuro

Sobre os 20 anos da restauração da independência de Timor-Leste, Fina mostra-se muito crítica. Considera que os governos são “todos iguais, ninguém faz a diferença e ninguém resolve os problemas do povo”. Dá os exemplos da falta de contentores de lixo nas zonas turísticas do Cristo Rei, falta de água potável, estradas e aeroportos, o pouco incentivo à agricultura, um sistema de saúde débil e a falta de investimento na educação.

“Dizem que Timor ainda é uma jovem democracia, mas 20 anos é tempo suficiente para apresentar melhorias nas necessidades básicas, o que ainda não aconteceu por aqui. Mas acredito no povo timorense e que as futuras gerações podem colocar Timor no rumo do desenvolvimento para todos, com respeito pelo meio ambiente”, observa, para logo a seguir cumprimentar um cliente com um sorriso, dando-lhe as boas-vindas.

Ver os comentários para o artigo

  1. Parabéns pela iniciativa deste jornal que me ajuda a entender melhor o que vejo e vivencio nestes meses que estou a passar em Timor.
    Pelas histórias de vida e reportagens publicadas fico a conhecer grandezas e dificuldades na vida das pessoas, e o muito que há a fazer para contribuir para informar e formar gente com massa critica para melhorar a vida e responsabilizar os decisores a todos os níveis.
    A reportagem sobre as desigualdades no ensino e o quadro comparativo com investimnetos de outros países asiáticos diz muito…do que está por fazer…
    Obrigada
    Maria Trindade Serralheiro

  2. Acompanhei os primeiros passos do restaurante da mana Fina. Umas mesas na praia e clientes servidos (e satisfeitos) por ela e por uma empregada, a Diana. Saudades desses tempos! A Serra

  3. Foi com muita alegria que li uma pequena biografia da “tia Fina” como nós a chamávamos na “praia da areia branca” já há muito tempo que não ouvia falar desta senhora, em tempos ainda falávamos aqui no Facebook mas depois desapareceu, bjs e que tudo corra com deseja, muitas felicidades, daqui de Lisboa (Sargto chefe Alves)

  4. Dou todo o apoio e força a nossa empreendedora Mana Fina, e que tenha muito sucesso no futuro e muito mais no seu negócio que a muitos têm dado todo o esforço para desenvolver. Parabéns Mana Fina para a frente vamos.

  5. Muitos parabens mana Fina!

    Nao ha nada que defina
    A coragem, esperanca e significado de “fina”
    A luta do bem querer, a nossa sina
    A mana Fina, bem atina
    Faz- me lembrar a minha mana Vina
    Nao tenho palavras, eu poeta, marido da Nina

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